Artigo publicado na ETD é destaque com o tema “Escola sem partido – produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil”

Artigo publicado na ETD é destaque com o tema “Escola sem partido – produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil”

Por Mateus Vicente

O artigo mais acessado da ETD – Educação Temática Digital – no ano de 2017 foi: “Escola sem partido – produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil” de Elvis Patrik Katz e Andresa Silva da Costa Mutz. Um tema muito discutido em meio às Ciências Humanas, pelo caráter de emergência do assunto. É colocado como objeto central, a escola, mais especificamente a escola como razão de disputa. A instituição escolar e seus docentes vem sendo fortemente atacados nas últimas décadas. Isso mostra o grau de importância da escola como instituição central para o desenvolvimento social. Devido aos ataques e a suposta “crise na educação” (falamos aqui numa estrutura pré-reforma discutida em 2016) diversos âmbitos da sociedade sentiram a necessidade de colocar em pauta e rediscutir os sentidos da educação. Estamos falando de um período de ataque não só às escolas do país, mas a ascensão de um governo que está mais direcionado à esquerda política. Neste cenário surge o movimento Escola Sem Partido a fim de reestruturar e dar sentido à instituição escola. Sua proposta inicial, em 2004, é defender a instituição da chamada “doutrinação marxista” que o governo vigente na época, supostamente, trazia consigo. O projeto cita uma tal “hegemonia de esquerda” que dominava a educação devido a ascensão do governo petista à partir de 2002.

O artigo sugere uma “cultura da crise” e um “discurso da crise” que dominava o momento em questão. Os autores buscam e mostram, empiricamente, isto através dos meios midiáticos que mantém grande influência sobre a sociedade. Temos dois exemplos no texto de como era visto e disseminado socialmente a tal ideia de “crise na educação”. O primeiro exemplo trata de um comercial televisivo do Ministério da Educação que mostra a personagem de uma professora expondo para seus alunos os problemas da educação, exaltando sua ineficiência e a necessidade de uma reforma. O outro exemplo é de uma matéria do Jornal Zero Hora que em sua manchete já questiona a eficiência da escola pública em comparação com a escola privada. Através dos fatos históricos e culturais o artigo busca analisar como esta ideia de “crise na educação” e ineficiência da escola chega até a população e é adotada, culturalmente, como problema.

A proposta do Escola Sem Partido é resinificar as bases que sustentam a escola, com uma proposta liberal de construir um ambiente que não saliente ideologias e preferências partidárias, construindo assim um ambiente “neutro”. Devido esta proposta os autores sentem a necessidade de discutir e pensar o tema e o papel da educação e da escola, através da lente de alguns autores. Alguns pensam a escola e a educação como inserção e “acesso às condições intelectuais e políticas de avaliação crítica da informação, de produção de conhecimento, de participação nos processos decisórios da sociedade” (LIBÂNEO, 2007, p. 45) e outros “como a grande fábrica de uma sociedade disciplinar, ou seja, uma instituição fabricando uma sociedade em que cada um deve ser capaz de exercer seu autogoverno” (VEIGA-NETO, 2007, p. 112). Vemos no texto pelas frases de Veiga-Neto que para que seja mostrada ou discutida uma crise na educação é necessário que a educação tenha um formato idealizado. Ou seja, deve existir um ideal da educação para que seja vista uma crise nela.

Os autores do artigo buscaram “formas de funcionamento de formações discursivas, as maneiras pelas quais os discursos se colocam numa rede de poder contra outros discursos e, ainda, como estabelecem leis do que pode ou não ser ditos no seu interior” (KATZ; MUTZ, 2017, p. 195) que forma a teoria prática da arqueologia, de Michel Foucault, que vai ser usada como base para a pesquisa dos textos do projeto. A intenção é analisar a superfície dos enunciados, que foram publicados na página do projeto na web, pois, através disso é possível observar o discurso presente nos textos. Através dessa técnica, e da observação do contexto histórico, os autores constroem a pesquisa, buscando analisar como a educação, ou sua proposta, opera como modo de “governar os sujeitos de seu tempo” (KATZ; MUTZ, 2017, p.197).

Através das análises feitas pelos autores percebeu-se um forte traço de valorização da liberdade individual e do neoliberalismo. De acordo com as ideias do movimento “a presença da doutrinação ideológica estaria causando certo constrangimento aos envolvidos no processo educativo” (KATZ; MUTZ, 2017, p. 197) e que os discursos “hegemônicos de esquerda” comprometem a liberdade. O que se torna totalmente contraditório, principalmente, se analisarmos com as lentes da pedagogia, que ressaltam que o professor deve ter um posicionamento ideológico.

No pensamento do projeto Escola Sem partido o professor, do formato vigente de educação, assume uma figura central de poder dentro da sala de aula, com autonomia e autoridade suficiente para “fazer a cabeça” dos alunos e aplicar uma ideologia de esquerda. Os professores são vistos como doutrinadores que ignoram o que foram as falhas de governos de esquerda, somente atacando a direita política.  Outro ponto importante é a pontuação de temas que envolvem o âmbito moral, religioso e familiar. Essa moralidade religiosa e familiar, pressupõe sempre que vista no singular da palavra: “família e religião” o formato de família monogâmica e heterossexual e a religião de orientação cristã. A educação escolar como continuação da educação familiar, mostra forte arbitrariedade e valoriza uma soberania da educação familiar. “Agora, ao invés de inserir as crianças e jovens num espaço de contato com a diferença, a escola ressurge nos documentos do ESP como simples transmissora de conteúdos e, portanto, sem nenhuma função de socialização ou de construção intencional da cidadania”. (KATZ; MUTZ, 2017, p. 201).

Em sua visão com fortes traços liberais e neoliberais, o Escola Sem Partido defende a ideia de que as moralidades, empregadas na família e na religião, não devem sofrer interferências de um órgão que é manipulado pelo Estado, e somente manter seu caráter informativo e neutro. O grande objetivo do projeto é “descontaminar” a escola das ideologias “hegemônicas de esquerda” para que haja um progresso da sociedade, onde o Estado interfira o menos possível nas instituições como a escola, a educação, a moralidade e a religião.

O objetivo do artigo foi retratar as diversas demandas que colocaram na educação como sendo seu papel essencial, e disso, fazendo surgir um “discurso da crise” que é disseminado e coloca a educação e seus docentes como objeto central dos problemas sociais.

 

Referências

KATZ, Elvis Patrik; MUTZ, Andresa Silva da Costa. “Escola sem partido – produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil”. ETD – Educação Temática Digital. v. 19. Número Especial. 2017. p. 184-205.

LIBÂNEO, José Carlos. A escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). A escola tem futuro, 2 ed. p. 23-52, 2007.

VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição que pelo menos garanta a manutenção das conquistas fundamentais da Modernidade. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). A escola tem futuro, 2 ed. p. 97-118, 2007.

Como citar este post:

VICENTE, Mateus. Artigo publicado na ETD é destaque com o tema “Escola sem partido – produção de sentidos e disputas em torno do papel da escola pública no Brasil”.  Blog PPEC, Campinas, v.5, n.1, set. 2017. ISSN 2526-9429. Disponível em: <https://goo.gl/eGPrwH>.  Acesso em: dia mês abreviado ano.

 

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