Revista Internacional de Educação Superior [RIESup] bilíngue: Publicação na língua franca da ciência

Revista Internacional de Educação Superior [RIESup] bilíngue: Publicação na língua franca da ciência

José Camilo dos Santos Filho
Maria de Lourdes Pinto de Almeida

Esta breve reflexão sobre a importância e necessidade de se publicar na língua franca da ciência da atualidade nos remete a pensar sobre a presença desse conceito e dessa realidade ao longo da história da humanidade, como forma de facilitar a comunicação oral e escrita entre diferentes nações, por razões políticas, comerciais, culturais ou científicas.  Na medida em que as diferentes tribos humanas foram se dispersando no planeta e criando sua própria língua foram se isolando em seu universo cultural e linguístico e dificultando a comunicação e diálogo com as tribos vizinhas ou desconhecidas que passaram a ser vistas mais como inimigas a serem derrotadas ou conquistadas do que como membros da grande família humana. A alternativa à guerra era o diálogo, a convivência e a permuta e cooperação entre as diferentes culturas.

Nesse contexto de proximidade geográfica ou interação com o estrangeiro, algumas nações, estados ou impérios, pela via da conquista, colonização, imposição ou do convencimento, impuseram suas línguas como línguas francas nos espaços de seu domínio ou influência, para facilitar o comércio com os povos conquistados, o compartilhamento de bens e valores culturais pela via da divulgação de seu estilo de vida e da educação e a circulação da ciência incipiente desenvolvida nas diferentes nações mediante o veículo da tradução ou do domínio da língua franca hegemônica do momento histórico.  O contato com sábios e filósofos da própria nação e de diferentes nações pela via da mobilidade interna ou de viagem ao exterior, era ainda muito limitado e reduzido a poucos privilegiados, mas foi o instrumento de circulação e avanço progressivo da tocha do conhecimento entre diferentes civilizações ao longo da história humana.

Na antiguidade greco-romana, o grego foi a língua franca em vasto território sob influência da civilização grega e posteriormente, o latim, idioma do Império Romano, se tornou a língua franca na maior parte do mundo conhecido de sua época. A invasão do Império Romano pelos bárbaros levou no período da alta Idade Média ao desaparecimento do latim como língua falada e à formação das línguas românicas a partir da matriz latina. A progressiva assimilação da cultura latina pelos bárbaros conquistadores conduziu ao renascimento do latim, como língua franca, no mundo acadêmico das universidades medievais da Europa.

No Renascimento, com a revalorização da cultura da antiguidade clássica, o grego e o latim passaram a ser estudados nas escolas e universidades, como instrumentos de compreensão das raízes greco-latinas da cultura ocidental e de várias línguas modernas que, nas suas origens, receberam influência relevante dessas matrizes linguísticas. No século XVI, também o Português e o Espanhol, em decorrência do vasto espaço colonial que herdaram com a descoberta das Américas e de parte da África, se tornaram línguas francas em seus respectivos espaços de colonização e influência cultural. A ciência produzida por esses dois países ibéricos nessa época foi divulgada em português ou espanhol, idiomas vistos como autênticas línguas francas na Ásia e nas Américas. Outrossim, a partir dessa época o latim passou a ser o veículo europeu de comunicação entre os cientistas no espaço europeu por mais de três séculos, vigorando tal tradição até o século XIX. Ou seja, o latim tornou-se a língua franca da ciência nesse período histórico, passando a ser substituído pelas línguas modernas a partir do século XIX.

Entrando no século XIX, o progressivo abandono do ensino do grego e do latim, entre outros fatores, levou à adoção das línguas modernas como instrumento de divulgação da ciência que passou a ter crescimento exponencial e institucionalizar a criação de associações científicas nos vários campos do conhecimento, a publicação de periódicos científicos especializados e a realização de congressos para a divulgação e discussão presencial dos resultados das pesquisas recentes. Nesse século e na primeira metade do século XX, o francês e o alemão disputaram a hegemonia para se tornarem a língua franca da ciência. No entanto, a vitória na Segunda Guerra mundial no final da primeira metade do século XX pela Inglaterra com a significativa colaboração dos Estados Unidos e outros países aliados ensejou a liderança do mundo pelos Estados Unidos e a hegemonia da língua e ciência americana e inglesa no mundo, o que engendrou a dominância da língua inglesa no campo da ciência moderna.

A língua inglesa, idioma falado na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outras ex-colônias inglesas, conquistou o status de língua franca da ciência a partir do pós-segunda guerra, desbancando as pretensões das línguas francesa e alemã, a despeito da relevância de ambas no campo das ciências da natureza e especialmente, das ciências humanas e da filosofia. Embora seja idioma nativo menos falado do que o mandarim e o hindi, o inglês, em consequência da hegemonia econômica, científica e tecnológica dos Estados Unidos, detém o status de língua franca da ciência na atualidade.

Diante dessa realidade contemporânea, os países cuja língua nativa é o inglês e, portanto, divulgam sua produção científica na língua franca da ciência da atualidade, têm maiores possibilidades de serem melhor classificados nos indexadores bibliométricos da ciência, o que implica em serem mais citados, terem maior visibilidade, terem seus cientistas mais cotados internacionalmente e seus periódicos e universidades melhor avaliados pelas agências avaliadoras e definidoras de rankings internacionais. Situação semelhante ocorre com os países pequenos e médios, como é o caso dos países escandinavos e da Holanda cujos cientistas, por não serem falantes nativos da língua inglesa, adotaram a política de publicar seus papers diretamente na língua franca da ciência.

Países que não têm o inglês como língua nativa, mas cujos idiomas se classificam entre os dez mais falados do mundo como é o caso do português e do espanhol, enfrentam o dilema de estimular seus cientistas a publicarem os resultados de suas pesquisas apenas na sua língua oficial ou na língua franca da ciência da atualidade ou em ambas. A ciência produzida no país pode ter muita relevância para a solução de seus problemas tecnológicos, econômicos e sociais, mas também pode ter uma relevância mais geral e contribuir para o avanço do conhecimento humano e solução dos problemas humanos em diferentes culturas. No entanto, sua divulgação e publicação apenas na língua nativa restringe seu acesso e conhecimento apenas aos falantes nativos e a uns poucos estrangeiros que por ventura dominem a língua. Tal restrição de acesso à ciência do país termina por limitar a visibilidade, a relevância e o impacto de sua produção científica, uma vez que os organismos internacionais responsáveis pelo levantamento dos indicadores bibliométricos da ciência e de seus fatores de impacto, avaliam apenas as publicações realizadas na língua franca da ciência. Por outro lado, adotar a política de publicar apenas na língua inglesa, quando essa língua ainda não é efetivamente a segunda língua falada no país, seria restringir aos seus próprios cidadãos o acesso à ciência produzida no país, o que não seria justo.

Acreditamos que o espaço cultural, econômico e científico bilíngue espanhol-português terá relevância científica crescente nas próximas décadas do desenvolvimento científico e que, portanto, as línguas portuguesa e espanhola têm potencial para conquistar o status de língua franca da ciência no grande espaço geográfico ibero-americano e lusófono do planeta ao lado do inglês. Assim, diante do dilema de publicar apenas no idioma do país ou apenas em inglês, será mais adequado para o contexto atual que os periódicos brasileiros relacionados às ciências da natureza e às ciências humanas e sociais que tratam de problemas nacionais de relevância e pertinência transnacional, adotem a política de publicação bilíngue (português-inglês) e mesmo trilíngue (português-inglês-espanhol), especialmente agora com a possibilidade de editá-los na versão online. Tal política será especialmente recomendável para os periódicos na versão online classificados nas categorias A e B do QUALIS da Capes. Desse modo, nossos periódicos conquistarão os benefícios da publicação na língua franca da ciência na atualidade, ou seja, a visibilidade e impacto da ciência produzida no país, a possibilidade de ter mais citações nos indicadores bibliométricos, a reputação crescente de seus cientistas, a internacionalização da ciência produzida no país, o fortalecimento das publicações periódicas do país. Por outro lado, tal política terá o potencial de contribuir para consolidar a língua portuguesa como uma das línguas da ciência, elevar o ranking científico das universidades brasileiras e aprimorar o padrão da ciência produzida no país sem negligenciar a busca da pertinência de sua ciência para nossa sociedade.

Sendo assim, a editoria da Revista Internacional de Educação Superior, mais conhecida com RIESup, após apresentar todo esse resgate histórico em torno da ciência e do uso das línguas nas publicações, decide que a partir da segunda edição de 2018, a Revista Internacional de Educação Superior passe a adotar, além da publicação em português, a língua inglesa em seus manuscritos tornando-se uma publicação bilíngue.

Como citar este post:

SANTOS FILHO, José Camilo dos; ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de. Revista Internacional de Educação Superior [RIESup] bilíngue: Publicação na língua franca da ciência. Blog PPEC, Campinas, v.1, n.2, jan. 2018. ISSN 2526-9429. Disponível em: <http://periodicos.sbu.unicamp.br/blog/index.php/2018/01/30/riesup-2/>.  Acesso em: dia mês abreviado ano.

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