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Feminilidade no site Escola de Princesas – análise do discurso do gênero como ideologia

Femininity on the Brazilian Princess School Website – Analysis of Gender Discourse as Ideology

Resumo

A Escola de Princesas é uma instituição que promove atividades unicamente para meninas visando ao seu desenvolvimento pessoal, social e moral. O objetivo deste estudo foi compreender os efeitos de sentidos sobre feminilidade no site da Escola de Princesas. Foram estabelecidas algumas sequências discursivas, analisadas a partir da análise do discurso pêcheuxtiana, que destacaram regularidades discursivas que enfatizam uma moralidade tradicionalista e conservadora para as meninas e que reiteram sua compassividade, submissão e a desigualdade de/entre os gêneros.

Gênero; Sexualidade; Mulheres; Sexismo; Ideologia

Abstract

The Brazilian Princess School is an institution that promotes activities only for girls, and is focused on their personal, social and moral development. The objective of this study was to understand the effects of meanings about femininity promoted on the Princess School website. Some discursive sequences analyzed using Michel Pêcheux’s discourse analysis highlighted discursive regularities that emphasize a traditionalist and conservative morality for girls and reaffirm their compassion, submission, and an inequality between genders.

Gender; Sexuality; Women; Sexism; Ideology

Em 2012, foi fundada em Uberlândia (MG) a Escola de Princesas (doravante apenas EP), franquia de instituições1 1 Em 2020, havia três unidades ativas (Uberlândia/MG, Belo Horizonte/MG e São Paulo/SP). que segundo seu website oficial tem por objetivo ensinar meninas com idade entre quatro e quinze anos “valores e princípios morais e sociais que as ajudarão a conduzir sua vida com graça, sabedoria e discernimento” (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
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), pretendendo que elas se “tornem princesas e resgatem a essência feminina que existe em seus corações” (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
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). Para isso, são oferecidos cursos particulares para pequenos grupos de meninas sobre temas específicos: relacionamentos familiares e interpessoais, etiqueta, estética (maquiagem e vestuário), gerenciamento doméstico e financeiro e educação para o matrimônio – todos tendo como referências as princesas tradicionais dos contos de fadas infantis.

Naquele mesmo ano, tramitava no Congresso Nacional o Plano Nacional da Educação (PNE) que devido às pressões dos movimentos feministas e LGBTQIA+ incluía temas como desigualdades e violências de gênero e direitos reprodutivos e sexuais, reatualizando tensões entre propostas de espectros políticos de esquerda (vinculados aos movimentos sociais feministas e LGBTQIA+) e de direita (vinculados aos grupos religiosos e/ou tradicionalistas e conservadores do ponto de vista da moral) que disputavam reformas legais e educacionais em países que pela primeira vez tinham mulheres como chefes de estado2 2 Michele Bachelet no Chile (2006-2010/2014-2018), Cristina Fernández de Kirchner na Argentina (2007-2015) e Dilma Rousseff no Brasil (2011-2016) (Corrêa, 2018CORRÊA, Sonia. A “política do gênero”: um comentário genealógico. cadernos pagu (53), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185301 [https://doi.org/10.1590/18094449201800530001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Junqueira, 2018JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, 18 (43), 2018, pp.449-502 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 22 fev. 2020].
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; Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, (32) 3, 2017, pp.725-748 [https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008 - acesso em: 09 set. 2019].
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; Souza, 2014SOUZA, Sandra Duarte. “Não à ideologia de gênero!” A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira. Estudos de Religião 28, 2, 2014, pp.188-204 [https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p188-204 - acesso em: 15 abr. 2020].
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).

Assim, temas como gênero e sexualidade ganharam novos empuxos e relevâncias em diversas políticas e legislações brasileiras, problematizando o contexto educacional e social diante das antigas, porém presentes forças e atores tradicionais e conservadores do ponto de vista da moral (Freire, 2021FREIRE, Priscilla. Gênero, ideologia e poder: uma análise crítica dos discursos parlamentares sobre a política educativa no Brasil. Revista de Estudos em Educação e Diversidade, 2 (3), 2021, pp.230-248 [https://doi.org/10.22481/reed.v2i3.8113 - acesso em: 24 ago. 2020].
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; Guizzo; Felipe, 2016GUIZZO, Bianca Salazar; FELIPE, Jane. Gênero e sexualidade em políticas contemporâneas: entrelaces com a Educação. Roteiro, 41 (2), 2016, pp.475-490 [https://doi.org/10.18593/r.v41i1.7546 - acesso em: 17 abr. 2020].
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). Essas novas demandas e ativismos políticos foram denominados pelos seus críticos – isto é, pelos grupos tradicionais e conservadores que perdiam progressivamente seus privilégios – de ideologia de gênero3 3 De maneira sucinta – e segundo seus críticos – ideologia de gênero é um termo que faz referência ao conjunto de propostas dos grupos de matizes políticas de esquerda que concebe os gêneros e suas identidades como construções sociais, segundo as quais os sujeitos poderiam alterar seus gêneros livremente conforme suas demandas, desejos ou necessidades, rompendo com as naturais características biológicas, psicológicas e morais dos corpos. Portanto, os críticos da ideologia de gênero partem do pressuposto da existência de uma natureza/essencialismo dos gêneros ao mesmo tempo em que não se reconhecem como produtores de uma ideologia específica sobre o tema. Por sua vez, os críticos do essencialismo de gênero igualmente não se reconhecem como ideólogos, mas suas críticas desvelam as intencionalidades e desigualdades produzidas pelos essencialistas biológicos que enfatizam as linearidades entre sexo/gênero/orientação sexual – para aprofundar essa discussão, conferir Corrêa (2018), Junqueira (2018), Miskolci e Campana (2017) e Souza (2014). Neste artigo, compreendemos a partir de Michel Pêcheux que ambos (críticos da ideologia de gênero e críticos do essencialismo biológico de gênero) participam de formações ideológicas e/ou ideologias, cujas consequências, todavia, são radicalmente diferentes. , pois, segundo suas perspectivas, essas novidades tanto questionavam os parâmetros considerados naturais de sexo, gênero, orientações sexuais e composições/dinâmicas familiares quanto atentavam contra as denominadas famílias normais e seus valores tradicionais. Nesse sentido, por exemplo, esses grupos tradicionais demandavam que a primazia do Estado na educação das crianças deveria ser substituída pela orientada ou realizada pelas próprias famílias e seus valores tradicionalistas no que se refere à formação moral e sexual das crianças (Almeida, 2017ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. cadernos pagu (50), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175001 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Balieiro, 2018BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. “Não se meta com meus filhos”: a construção do pânico moral da criança sob ameaça. cadernos pagu (53), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185306 [https://doi.org/10.1590/18094449201800530006 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Junqueira, 2018JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, 18 (43), 2018, pp.449-502 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 22 fev. 2020].
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).

Em suma, tendo em vista que temas como gênero e sexualidade passaram a ser alvo prioritário da disputa pública e política – principalmente por atores políticos do campo das direitas conservadoras e por religiosos cristãos – institui-se uma mobilização para a retirada desses conteúdos dos currículos escolares, mesmo que as leis de diretrizes e bases da educação nacional assegurassem o dever da educação escolar para os diversos grupos sociais a partir de múltiplas perspectivas e valores (Brasil, 2015BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015.; Santiago; Barreiro, 2014SANTIAGO, Flávio; BARREIRO, Alex. Educação e violência: a escola à serviço do dispositivo heteronormativo. Cadernos de Pedagogia, 7 (14), 2014, pp.89-100.).

É importante salientar que as instituições escolares não são lugares neutros, mas sim espaços de disputa por significados e normas que, historicamente, reiteraram a heteronormatividade e os preceitos tradicionalistas para as feminidades e masculinidades (Guizzo; Felipe, 2016GUIZZO, Bianca Salazar; FELIPE, Jane. Gênero e sexualidade em políticas contemporâneas: entrelaces com a Educação. Roteiro, 41 (2), 2016, pp.475-490 [https://doi.org/10.18593/r.v41i1.7546 - acesso em: 17 abr. 2020].
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). Assim, apesar de autodenominar-se escola, a EP não participa do sistema formal de ensino brasileiro, sendo uma instituição de caráter livre que adquire relevância num contexto marcado pelo recrudescimento dos conservadorismos e dos tradicionalismos morais de gênero e das orientações sexuais; esse recrudescimento está relacionado tanto ao crescimento das religiões neopentecostais no Brasil quanto às atuais ênfases nas pautas de costumes no campo político que pretendem se contrapor aos recentes, porém relevantes avanços das denominadas minorias sexuais, de gêneros e de orientações sexuais nas políticas públicas que questionam os valores e as oportunidades dos grupos historicamente privilegiados (Almeida, 2017ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. cadernos pagu (50), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175001 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Junqueira, 2018JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, 18 (43), 2018, pp.449-502 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 22 fev. 2020].
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; Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, (32) 3, 2017, pp.725-748 [https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008 - acesso em: 09 set. 2019].
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).

É nesse contexto que a EP se declara como instituição que resgata os valores morais considerados importantes para a manutenção da ordem social e para a formação da subjetividade diante da (suposta) derrisão dos costumes, das famílias e da educação formal e informal (Souza, 2014SOUZA, Sandra Duarte. “Não à ideologia de gênero!” A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira. Estudos de Religião 28, 2, 2014, pp.188-204 [https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p188-204 - acesso em: 15 abr. 2020].
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). Ao invés dos conteúdos científicos para a escolarização formal, a EP privilegia valores morais tradicionais que seriam supostamente naturais e que, dentre outros, serviriam de proteção às mulheres contra diversas violências, haja vista que, segundo as lógicas tradicionalistas e conservadoras, os conflitos entre os gêneros seriam reduzidos com a passividade das mulheres (Corrêa, 2018CORRÊA, Sonia. A “política do gênero”: um comentário genealógico. cadernos pagu (53), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185301 [https://doi.org/10.1590/18094449201800530001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Junqueira, 2018JUNQUEIRA, Rogério Diniz. A invenção da “ideologia de gênero”: a emergência de um cenário político-discursivo e a elaboração de uma retórica reacionária antigênero. Psicologia Política, 18 (43), 2018, pp.449-502 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2018000300004&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 22 fev. 2020].
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).

Muitas críticas foram interpostas à EP advindas de setores dos movimentos feministas que recusam os modelos tradicionais de feminilidade. Esses modelos almejam “resgatar a essência feminina” (EP, 2020) baseada nos padrões de desigualdade de/entre os gêneros que se fundamentam nas diferenças biológicas entre os sexos (Coelho; Baptista, 2009COELHO, Leila Machado; BAPTISTA, Marisa. A história da inserção política da mulher no Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Psicologia Política, 9 (17), 2009, pp.85-99 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2009000100006&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 07 abr. 2020].
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). Em outras palavras, essas estruturas de dominação generificadas são produtos de reproduções ideológicas e institucionais (famílias, religiões, escolas etc.) cujas reiterações instituem a impressão de sua própria naturalidade (Bourdieu, 2012BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2012.; Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.). Trata-se, portanto, da produção de uma naturalidade. Esses esquemas de dominação, contudo, têm sido questionados visando romper com a suposta linearidade entre sexo (aspectos biológicos), gênero (atitudes historicamente determinadas) e orientação (hetero) sexual, em um movimento de disputa próprio da reprodução/transformação da Ideologia em ideologias (Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].).

Segundo Pêcheux (2014)PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974]., enquanto a Ideologia (com letra maiúscula) é uma realidade omni-histórica estrutural de formação da subjetividade que faz com os indivíduos sejam assujeitados (interpelados e, portanto, desconhecedores deste fato) pelas condições materiais de existência da sua época, as ideologias (com letra minúscula) são as incidências históricas e particularizadas dos valores em disputa dentre os diversos grupos sociais nos sujeitos que, devido à própria interpelação ideológica, supõem serem esses valores naturais/essenciais da sua subjetividade – quando são resultados dos movimentos e dos aparelhos de socialização4 4 Para Michel Pêcheux, não é o sujeito que é interpelado pela Ideologia, mas sim a Ideologia que interpela o indivíduo (ente sem história) em sujeito (de uma história) sem que ele se aperceba disso. A partir disso, Teresa de Lauretis argumentou que uma ideologia interpela os indivíduos em sujeitos homens ou mulheres. . As ideologias, nesta perspectiva, representam a relação imaginária – a suposição da verdade – dos sujeitos diante das condições reais de existência que, por meio da simbolização, da socialização, da linguagem e do inconsciente, atravessam o indivíduo, tornando-o sujeito de um tempo histórico e de um contexto. Isso significa que o sujeito resulta do processo de reprodução/transformação das condições de produção no qual a Ideologia existe e a ideologias incidem (Althusser, 1998ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1998 [1970].) – o que bem pode ser representado pelas disputas entre os grupos tradicionais e conservadores e os grupos das minorias de gêneros e de orientações sexuais.

Uma das maneiras pelas quais as ideologias se mantêm é reproduzindo relações de poder por meio da linguagem, sendo ela um dos principais mecanismos de sustentação dos aparelhos ideológicos do Estado (Althusser, 1998ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1998 [1970].; Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974]., 2015PÊCHEUX, Michel. Ideologia – aprisionamento ou campo paradoxal? In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Análise do discurso. Campinas, Pontes Editores, 2015, pp.107-119.). Assim, a linguagem não se limita à transmissão das informações entre emissor e receptor da mensagem, pois seus efeitos de sentidos (sendo essa a definição conceitual de discurso para Michel Pêcheux) são determinados pelas condições de produção entre os interlocutores (quem, para quem, como, de onde e quando se diz etc.) (Maldidier, 2017MALDIDIER, Denise. A inquietação do discurso: (re) ler Michel Pêcheux hoje. Campinas, Pontes Editores, 2017.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].). A análise do discurso de Michel Pêcheux considera que as constituições dos sentidos (que incluem os de/entre gêneros) resultam de processos históricos e coletivos anteriores e exteriores aos sujeitos, permitindo investigar as condições de configuração do campo simbólico que organiza as subjetividades e as interações (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.). Portanto, investigações sobre as condições ideológicas de produção dos efeitos de sentidos sobre as normas regulatórias de gênero permitem compreender as maneiras pelas quais são constituídas as subjetividades dos sujeitos (Borba, 2014BORBA, Rodrigo. A linguagem importa? Sobre performance, performatividade e peregrinações conceituais. cadernos pagu (43), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2014, pp.441-74 [https://doi.org/10.1590/0104-8333201400430441 - acesso em: 23 abr. 2020].
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).

Investigar as condições ideológicas e materiais de produção e de reprodução da feminilidade por meio dos discursos pode ser uma estratégia profícua para compreender a manutenção das desigualdades de/entre os gêneros, enfatizada por segmentos significativos da sociedade brasileira (Almeida, 2017ALMEIDA, Ronaldo de. A onda quebrada – evangélicos e conservadorismo. cadernos pagu (50), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175001 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Bueno, 2012BUENO, Michele Escoura. Girando entre Princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). No caso da EP, o significante princesas parametriza um repertório de gênero suposto normal/natural para as meninas e, depois, para as mulheres, enfatizando a subalternidade, a domesticidade e a passividade frente à masculinidade (Pereira, 2015PEREIRA, Caetana de Andrade Martins. Heterossexualidade compulsória: uma análise de modos de subalternação na revista Jornal das Moças. Revista do Programa de Pós-graduação em História – UnB, 1 (5), 2015, pp.151-163 [https://doi.org/10.26512/hh.v3i5.10841 - acesso em: 23 fev. 2019].
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; Welzer-Lang, 2001WELZER-LANG, Daniel. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. cadernos pagu (15), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2001, pp.460-482 [https://doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200008 - acesso em: 23 abr. 2020].
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). Portanto, este estudo tem como objetivo compreender quais são os efeitos de sentidos sobre feminilidade no site da Escola de Princesas.

Sobre os aspectos metodológicos

A composição do corpus e a análise dos dados deste estudo observaram as três etapas sugeridas para uma análise do discurso pêcheuxtiana (Gomes, 2007GOMES, Antônio Marcos Tosoli. Do discurso às formações ideológica e imaginária: análise de discurso segundo Pêcheux e Orlandi. Revista Enfermagem UERJ, 15 (4), 2007, pp.555-562.; Cavalcanti, 2015CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. Considerações sobre a constituição de corpus em Análise do Discurso. Estudos Linguísticos, 44 (3), 2015, pp.1087-1096 [https://revistadogel.emnuvens.com.br/estudos-linguisticos/article/view/1040 - acesso em: 23 abr. 2020].
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; Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].). A primeira etapa é a escolha a critério dos analistas do discurso da materialidade linguística a ser analisada visando compreender um tema/assunto. No caso, as materialidades linguísticas escolhidas foram três seções do site oficial da EP (“A Escola”, “Características de Princesa”, “Quem Somos”5 5 O site da EP possui as seguintes seções e subseções (que estão entre parênteses, quando houver): A Escola; Características (Identidade da princesa; Relacionamentos da princesa; Etiqueta de princesa; Estética de princesa; Castelo da princesa; De princesa à rainha); Cursos; Eventos e festas; Galeria de fotos; Adquira o Livro. ), que descrevem os objetivos, os valores da feminilidade natural e como os fundadores da EP se apresentam.

A segunda etapa é a passagem da materialidade linguística para as sequências discursivas, isto é, a seleção de excertos da materialidade linguística que evidenciam as condições de produção dos sentidos a partir das circunstâncias imediatas da enunciação e do contexto social, histórico e ideológico nos quais ela se inscreve – pois, para a análise do discurso, a materialidade linguística necessita da história para significar. Em outras palavras, os analistas do discurso selecionam partes (palavras, frases, parágrafos etc.) da materialidade linguística que podem responder aos objetivos de investigação6 6 A partir da definição conceitual de discurso (efeitos de sentidos entre interlocutores) proposta por Michel Pêcheux decorreu a necessidade de uma definição operacional: qual é o tamanho ou extensão de um discurso? Para Pêcheux, o discurso é uma unidade superior à frase. Porém, essa definição não é gramatical ou sintática (a frase é maior/superior à palavra, mas inferior à oração e ao parágrafo etc.), mas sim discursiva, isto é, o sentido não se limita à materialidade linguística (palavra, frase, oração, parágrafo etc.) pois é dependente das formações discursivas que lhes são exteriores e anteriores. Na história da metodologia da análise do discurso, uma das principais querelas é como constituir o corpus, ou seja, como delimitar a extensão da sequência discursiva a ser analisada, sendo que alguns autores preferem utilizar palavras pré-definidas, ou termos assemelhados (palavras-pivot), ou frases, ou orações, ou textos com extensões definidas, ou imagens etc. Independentemente do critério adotado, qualquer uma destas permite uma análise do discurso, haja vista que qualquer materialidade linguística é discursiva e produz sentidos – para uma discussão aprofundada, conferir Baronas (2007) e Courtine (2014). . Nessa etapa, podem ser mobilizados os conceitos paráfrase, metáfora/polissemia, interdiscurso (possibilidades/impossibilidades de sentidos dependentes das filiações/características sociológicas dos sujeitos) e Esquecimento Número 2 (ilusão de o sujeito controlar a escolha das palavras empregadas e os efeitos de sentidos pretendidos nos interlocutores – as formações imaginárias). Especialmente os conceitos interdiscurso e Esquecimento Número 2 permitem estabelecer relações com a memória discursiva: tudo o que já foi dito sobre um tema e foi esquecido, porém participa da produção dos discursos. Assim, mediante as coincidências de sentidos, as sequências discursivas podem ser organizadas/compiladas em formações discursivas, que são regularidades ou regionalizações dos sentidos organizadoras tanto do que pode/deve ser dito quanto do que não pode/não deve ser dito pelos sujeitos em determinadas circunstâncias. Neste estudo, foram selecionadas doze sequências discursivas organizadas em três formações discursivas.

A terceira etapa é a passagem das formações discursivas para a compreensão do processo discursivo, cuja intenção é demonstrar como as formações discursivas (regularidades de sentidos mais ou menos coincidentes com os marcadores sociais das identidades dos sujeitos) se relacionam com as formações ideológicas ou ideologias7 7 Para Michel Pêcheux (apoiado em Louis Althusser), a interpelação ideológica ocorre por intermédio dos aparelhos repressivos e dos aparelhos ideológicos do Estado – dentre os quais a linguagem. Mas como os aparelhos repressivos e os ideológicos atingem os indivíduos de maneiras diferenciadas a depender de suas classes sociais (Althusser, 1998), gênero (Lauretis, 1994) ou outros marcadores sociais, isso significa que os efeitos dessa interpelação são, também, diferenciais. Disso decorre que os sentidos constituem os sujeitos a depender de sua classe social, gênero etc., que, assim, não são universais – por isso os sentidos mudam conforme o posicionamento sociológico e discursivo dos sujeitos. Conceitualmente, as formações discursivas representam os efeitos da interpelação da ideologia (isto é, da formação ideológica) nos grupos. (condições/valores majoritários que tendem a organizar a produção dos sentidos). Em outras palavras, essa etapa pretende demonstrar que os efeitos de sentido produzidos pelos sujeitos são dependentes das suas condições materiais e ideológicas de existência, isto é, eles não são resultados limitados as suas atividades mentais individuais. Nessa etapa podem ser mobilizados os conceitos Esquecimento Número Um (ilusão de o sujeito controlar os sentidos das palavras) e formação ideológica – completando assim o percurso de uma análise do discurso.

Regularidades de (efeitos de) sentidos

Considerando o corpus elegido, é através da passagem da superfície/materialidade linguística para as sequências discursivas (incididas pelo interdiscurso e pelo esquecimento Número 2) que as condições de produção dos sentidos nos discursos começam a ficar expostas, pois esses sentidos parecem ser óbvios, mas não são (Cavalcanti, 2015CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. Considerações sobre a constituição de corpus em Análise do Discurso. Estudos Linguísticos, 44 (3), 2015, pp.1087-1096 [https://revistadogel.emnuvens.com.br/estudos-linguisticos/article/view/1040 - acesso em: 23 abr. 2020].
https://revistadogel.emnuvens.com.br/est...
; Gomes, 2007GOMES, Antônio Marcos Tosoli. Do discurso às formações ideológica e imaginária: análise de discurso segundo Pêcheux e Orlandi. Revista Enfermagem UERJ, 15 (4), 2007, pp.555-562.). Isso pode ser exemplificado nas sequências discursivas de apresentação da EP:

Sequência discursiva 1: A Escola de Princesas não é somente um curso de etiqueta ou uma escola de comportamento. Nós acreditamos na construção de um caráter sólido e incorruptível... (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”);

Sequência discursiva 2: [sobre a fundadora] especialista em Psicopedagogia, com atuação docente há mais de 20 anos, sendo que nos últimos 10 anos tem se focado em princípios e valores de caráter e comportamento, dentro do universo acadêmico (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “Quem somos: conheça os fundadores”).

Essas duas sequências discursivas evidenciam que os discursos da EP se constituem por intermédio de mecanismos imaginários – e, por isso, ideológicos – que envolvem relações de poder, por exemplo, quando os fundadores se apresentam como possuidores de formação específica e com vasta experiência profissional numa tentativa de convencer os interlocutores das suas credenciais e qualificações. Assim, expondo a experiência e a formação acadêmica de sua fundadora, que se (auto)intitulando como especialista, o discurso da EP pretende ser detentor de um saber universal. Com isso, somado à utilização dos termos escola (instituição de ensino) e comportamento (aspecto disciplinar pautado na moral tradicional), a EP pretende transmitir conteúdos e regular formas de portar-se que seriam típicos das mulheres. Além do caráter disciplinador, a terminologia escola também revela a disputa política dos significados relacionados aos gêneros e educação, uma vez que a fundação da EP ocorreu num período marcado por fortes disputas ideológicas quanto à regulamentação da educação, dos gêneros e da moralidade etc. (Freire, 2021FREIRE, Priscilla. Gênero, ideologia e poder: uma análise crítica dos discursos parlamentares sobre a política educativa no Brasil. Revista de Estudos em Educação e Diversidade, 2 (3), 2021, pp.230-248 [https://doi.org/10.22481/reed.v2i3.8113 - acesso em: 24 ago. 2020].
https://doi.org/10.22481/reed.v2i3.8113...
; Guizzo; Felipe, 2016GUIZZO, Bianca Salazar; FELIPE, Jane. Gênero e sexualidade em políticas contemporâneas: entrelaces com a Educação. Roteiro, 41 (2), 2016, pp.475-490 [https://doi.org/10.18593/r.v41i1.7546 - acesso em: 17 abr. 2020].
https://doi.org/10.18593/r.v41i1.7546...
).

Sabendo que para os discursos fazerem sentidos eles necessariamente se relacionam com outros discursos – uma das funções do interdiscurso (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].) – a EP produz sentidos a partir de formações imaginárias que (re)produzem relações de forças (Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].), cuja tarefa é moldar e disciplinar os corpos e as identidades de acordo com determinados objetivos. No caso da EP, essas normas estão estruturadas segundo pressupostos heteronormativos para ambos os gêneros e para as mulheres em especial. Dessa forma, tratando-se de uma escola de comportamento direcionada “para meninas entre 4 e 15 anos” (EP, 2020) e sabendo que a ideologia é a condição para a constituição dos sujeitos e seus discursos (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.), a análise expõe quais seriam as regras para a feminilidade que estruturam efeitos de sentidos da EP, como apresentado a seguir:

Sequência discursiva 3: Todo sonho de menina é tornar-se uma princesa (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”).

O adjunto adnominal de menina estabelece uma relação entre (sentidos de) sonhos que são de menina(s), sonhos que não são de menina(s) e sonhos que são de não meninas etc. Esse processo que identifica o não dito que, contudo, participa da constituição dos efeitos de sentidos, é resultado do que Pêcheux (2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].; 2015) designou de Esquecimento Número 2 (ilusão de que o que foi dito só poderia ser daquela maneira) que se refere à memória discursiva (interdiscurso). Portanto, possui relação com o que já foi dito em outro lugar, momento e/ou pessoas, mesmo que os interlocutores não tenham conhecimentos dessas incidências. Assim, considerando a constituição dos sujeitos e os discursos inseridos num contexto de gênero binário (menino/homem/masculino versus menina/mulher/feminino), ao escrever “todo sonho de menina” e não, por exemplo, “todo sonho de criança”, a EP restringe a feminilidade aos aspectos de princesa, não podendo, por exemplo, um menino identificar-se nem com os atributos de uma princesa nem com os atributos de uma menina.

A determinação de feminino ou masculino é baseada no que Butler (2017)BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017 [1990]. denominou de matriz de inteligibilidade de gênero, segundo a qual, na ocidentalidade de tradição europeia e cristã, a (hetero e auto) designação de (identidade de) gênero é realizada, tendo como referência o órgão genital/sexo (vagina/menina; pênis/menino). Assim, o parâmetro de normalidade nesse sistema seria a linearidade e não o questionamento entre sexo, gênero e orientação (hetero) sexual (Butler, 2017BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017 [1990].). Por exemplo, nesse sistema cisnormativo e binário, a identidade de gênero é performativamente constituída nas/pelas expressões:

Sequência discursiva 4: Acreditamos firmemente que todas as mulheres são princesas (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”).

Novamente, o Esquecimento Número 2 (Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].) constitui o discurso estabelecendo relações de sentidos que categorizam coisas de menina e, em contraposição, coisas de menino, sendo as de meninas aquelas relacionadas à condição de princesa. É a partir dessas análises das sequências discursivas que começam a ser evidenciadas formas específicas ou regularidades de sentidos que, em conjunto, ilustram as formações discursivas (Baronas, 2007BARONAS, Roberto Leiser (org.). Análise do discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de Formação Discursiva. São Carlos, Pedro & João Editores, 2007.; Courtine, 2014COURTINE, Jean-Jacques. O conceito de formação discursiva. In: COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos, EDUFSCAR, 2014, pp.69-96.; Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].). As formações discursivas determinam o que pode/deve ser dito (e, igualmente, o que não pode/não deve ser dito) a partir de uma formação ideológica ou ideologia específica (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.). Por isso, as formações discursivas equivalem aproximadamente às posições de classe (social) (Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].) e de gênero (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.) dos interlocutores. A paráfrase (palavras diferentes que pretendem estabelecer os mesmos sentidos) é um dos operadores conceituais possíveis para a compreensão das condições de produção das formações discursivas.

É possível ilustrar a incidência desse funcionamento na análise de algumas sequências discursivas do site da EP que configuram uma primeira formação discursiva que significa o gênero feminino como resultado dos aspectos biológicos:

Sequência discursiva 5: Ser uma princesa de verdade é ter a confiança para ser a melhor versão de si mesma (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”).

Sequência discursiva 6: Saber qual é a sua verdadeira identidade reflete diretamente em sua autoestima, em seu caráter interno (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “Características de Princesa: Identidade de Princesa).

É a partir desses processos parafrásticos de retorno a um mesmo sentido que o conjunto de significações (no caso, de gênero) se desenha. Assim, o sentido de melhor versão de si mesma é retomado em sua verdadeira identidade, e ambos remetem à formação discursiva da feminilidade como atributo presente desde o nascimento de acordo com os aspectos biológicos. Esse mesmo sentido é reafirmado quando o atributo interno é aproximado ao caráter, remetendo à suposição de que a constituição (de gênero) do sujeito é inata (natural), ou seja, é diferente de ter sido construída (naturalizada).

Ainda apoiado no conceito de Esquecimento Número 2, o discurso pretende instaurar o valor de verdadeira identidade, permitindo outros sentidos tais como os de que existem identidades que não são verdadeiras ou adequadas quando comparadas aos padrões normativos. Sabendo que cada discurso é lugar de relação entre linguagem e ideologia e subjetividade (de gênero) (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].; 2015), isto é, que o discurso é interpelado por ideologias específicas para constituir os sentidos e os sujeitos, ao construir sua discursividade na forma “acreditamos que todas as mulheres são princesas” (sequência discursiva 4) pode-se considerar que, por meio do não dito, as identidades de gênero femininas diferentes das distribuídas pela EP são questionadas ou desconsideradas.

É possível apresentar outras sequências discursivas participantes dessa primeira formação discursiva:

Sequência discursiva 7: Nós acreditamos na construção de um caráter sólido e incorruptível, resgatando os valores éticos e morais (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”).

Sequência discursiva 8: Para meninas com idade entre 4 e 15 anos que sonham em se tornar princesas e fazê-las resgatar a essência feminina que existe em seus corações (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “A Escola”).

Sequência discursiva 9: Ter valores e princípios imutáveis, independente de modismos (EP, 2020, seção “A Escola”).

Nessas, apesar de construção indicar aspectos a serem desenvolvidos ao longo do tempo, ou seja, aprendidos via socialização, os discursos não abandonam a feminilidade portadora de elementos essenciais decorrentes do corpo biológico: a repetição de resgatar fortalece as relações entre algo que deve/deveria necessariamente estar presente e que foi perdido ou está sob ameaças ou questionamentos por causa dos modismos, mas que ainda é passível de ser retomado. Nesse ínterim, ao utilizar princesa como metáfora da feminilidade, a identidade considerada verdadeira correlaciona-se com aspectos morais considerados tradicionais supostamente próprios dos gêneros – segunda formação discursiva –, destacado por outras sequências discursivas provenientes da sessão “Características de Princesa”. Essas sequências discursivas delimitam a feminilidade (e, portanto, também o que não seria próprio das mulheres) das seguintes maneiras:

Sequência discursiva 10: O Castelo de Princesas: Toda Princesa mora em um Castelo, e quando vir a se tornar Rainha deve saber como mantê-lo em ordem e em bom funcionamento, ainda que seja somente para dar ordens a seus funcionários (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “Características de Princesa: O Castelo de Princesa”).

Sequência discursiva 11: De Princesa a Rainha: O passo mais importante na vida de uma mulher, sem dúvida nenhuma, é o matrimônio. Nem mesmo a realização profissional supera as expectativas do sonho de um bom casamento. Enfim, a ideia do “felizes para sempre” é o sonho de toda princesa (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “Características de Princesa: De Princesa a Rainha”).

Orlandi (2013)ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013. argumenta que, na análise do discurso, o recurso da metáfora possibilita expor as condições de produção dos sentidos, pois a constituição de um discurso está articulada a uma memória interdiscursiva referenciada em sentidos pré-existentes, porém esquecidos. Portanto, a constituição dos sentidos envolve processos inconscientes dos sujeitos expondo a materialização de determinada ideologia nos discursos. Dessa forma, a metáfora permite esclarecer as relações de sentidos que os discursos atribuem a cada palavra. Por exemplo, com “Castelo” (sequência discursiva 10: Toda princesa mora em um Castelo) remetendo à casa, e Princesa e Rainha remetendo a menina e mulher, respectivamente. Assim, esses discursos asseguram uma prática significante que toma como base as relações de sentidos ligados à realeza – superioridade e distinção etc., que, por sua vez, remonta no imaginário interdiscursivo tradições a serem seguidas de acordo com atitudes bem definidas a partir do nascimento dos sujeitos (aspectos inatos; no caso, as princesas devem se comportar de determinada maneira e os príncipes de outras maneiras)8 8 Nesse ponto, análises interseccionais (de raça/etnia com sexo/gênero) seriam profícuas, mas fugiriam ao escopo desta investigação. Porém, não se pode desconsiderar que os nascidos na realeza são castelões (vivem em castelos), enquanto os que não nascidos em castelos são aldeões (vivem em aldeias) ou vilões (vivem em vilas) – considerando toda carga semântica que esse último termo possui. Portanto, segundo a EP, uma mulher que não é princesa é uma mulher vilã/vil. , reforçando a imagem das princesas como exemplos de feminilidade a serem performatizadas (Bueno, 2012BUENO, Michele Escoura. Girando entre Princesas: performances e contornos de gênero em uma etnografia com crianças. Dissertação (Mestrado em Antropologia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.). Por remeterem aos sentidos de tradição familiar monárquica com hierarquias e relações de poder bem definidas, esses discursos da EP aproximam feminilidade e as consideradas mais refinadas características e tradições morais – que é a segunda formação discursiva destacada.

Rocha-Coutinho (2004)ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Novas opções, antigos dilemas: mulher, família, carreira e relacionamento no Brasil. Temas em Psicologia, 12 (1), 2004, pp.2-17. designa por atitudes tradicionais de gêneros aquelas que destinam as mulheres e a feminilidade ao espaço privado/do lar (casa, casamento, cuidado dos filhos e dos dependentes etc.) – elementos apresentados nas sequências discursivas 10 e 11. Na sequência discursiva 10 (“e quando vir a se tornar Rainha deve saber como mantê-lo em ordem e em bom funcionamento”), mantém-se a matriz de sentido de mulheres designadas ao espaço doméstico, uma vez que seria sua responsabilidade manter a ordem e o bom funcionamento da casa. Isso demonstra o lugar a partir do qual a EP constrói, estabelece e organiza as disputas de sentidos pela feminilidade e pelas mulheres reais: restringindo a feminilidade ao espaço doméstico e, por extensão, distante e excluída do poder público e político – mesmo que na sequência discursiva 10 a princesa/rainha possa mandar, isso deve ocorrer apenas no espaço privado e doméstico. A distinção entre os espaços públicos e privados e a construção generificada dos seus sentidos estabelecem a separação de poder e naturalizam a não participação das mulheres na arena pública, reafirmando desigualdades e assimetrias de/entre os gêneros (Colling, 2015COLLING, Ana Maria. 50 anos da ditadura no Brasil: questões feministas e de gênero. Revista OPSIS, 15 (2), 2015, pp.370-383 [https://doi.org/10.5216/o.v15i2.33836 - acesso em: 07 abr. 2020].
https://doi.org/10.5216/o.v15i2.33836...
).

Essa mesma sequência discursiva pode ser analisada com o conceito de antecipação imaginária – uma das formações imaginárias nos discursos. Orlandi (2013)ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013. esclarece que as antecipações servem como importantes recursos de argumentação e de tentativas de estabilização dos sentidos, e, portanto, os mecanismos de antecipação participam da análise das condições de produção dos discursos, permitindo elucidar quem, como, de onde e para quem se fala. Por exemplo, tanto em “ainda que seja somente para dar ordem a seus funcionários” (sequência discursiva 10) quanto em “nem mesmo a realização profissional supera as expectativas do sonho de um bom casamento” (sequência discursiva 11) revela-se como esses discursos são construídos de forma a contemplar a feminilidade na tensão entre as esferas privadas e públicas (Coelho; Baptista, 2009COELHO, Leila Machado; BAPTISTA, Marisa. A história da inserção política da mulher no Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Psicologia Política, 9 (17), 2009, pp.85-99 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2009000100006&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 07 abr. 2020].
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

Dessa forma, ambas as sequências discursivas contemplam as contemporâneas demandas por ampliação da inserção da mulher para além dos serviços domésticos (no mercado formal de trabalho, por exemplo) sem abandonar a formação discursiva que mantém (ideologicamente) a feminilidade associada ao espaço doméstico, portanto, de submissão. Em outras palavras: mesmo que as mulheres ocupem espaços na esfera pública (no mercado formal e informal de trabalho, nas instituições escolares etc.), a representação padrão (tradicional) da feminilidade permanece associada à domesticidade e ao casamento (Haraway, 2004HARAWAY, Donna. “Gênero” para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. cadernos pagu (22), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, pp.201-246. [https://doi.org/10.1590/S0104-83332004000100009 - acesso em: 12 mar. 2017].
https://doi.org/10.1590/S0104-8333200400...
).

Por isso, Orlandi (2013)ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013. argumenta que a relação de suposta coincidência entre linguagem, realidade e pensamento da qual decorre a ilusão de controle do sujeito só é possível porque a ideologia intervém como funcionamento imaginário naturalizando ao apagar (interpelar) as condições de produção que formam os sujeitos. A linguagem é produção social e histórica e lugar de manifestação das ideologias (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.). Dessa forma, outra sequência discursiva ilustra outra região de regularidades dos sentidos na qual a feminilidade é associada a passividade e submissão – terceira formação discursiva:

Sequência discursiva 12: Boas maneiras não são sobre atitudes que você aprende para se tornar superior aos outros, mas sobre fazer aqueles que estão ao seu redor se sentirem mais confortáveis. Se for um simples almoço na casa de um amigo ou um jantar de gala em um restaurante sofisticado, ou conversas na roda de amigos bem como na internet, habilidades simples de etiqueta darão a essas meninas a confiança para lidar com qualquer situação, colocando aqueles que estão ao seu redor bem à vontade (EP, 2020EP. Escola de Princesas 2020 [http://escoladeprincesas.net/ws/ - acesso em: 01 fev. 2020].
http://escoladeprincesas.net/ws/...
, seção “Características de Princesa: Etiqueta de Princesa”).

Os elementos de uma formação discursiva podem se materializar nos discursos de diversas formas, sendo uma delas o intradiscurso (o que é efetivamente dito/escrito/proferido, isto é, materializado), isto é, a série de enunciados que estabelece relações de sentidos dentre sequências discursivas (Cavalcanti, 2015CAVALCANTI, Jauranice Rodrigues. Considerações sobre a constituição de corpus em Análise do Discurso. Estudos Linguísticos, 44 (3), 2015, pp.1087-1096 [https://revistadogel.emnuvens.com.br/estudos-linguisticos/article/view/1040 - acesso em: 23 abr. 2020].
https://revistadogel.emnuvens.com.br/est...
; Lecomte; Léon; Marandin, 2014). Sendo assim, os discursos são espaços dinâmicos tanto de manutenção quanto de (possibilidades de) alteração dos sentidos, fazendo com que várias zonas de uma mesma superfície linguística possam ser (interdiscursivamente) analisadas.

Por exemplo, na parte final da sequência discursiva 12, a zona de sentidos oscila: das “habilidades simples que darão a essas meninas a confiança para lidar com qualquer situação”, supondo ser a confiança um valor a ser apropriado/aprendido pelas meninas, portanto, não inato – uma inovação diante das regularidades de sentidos típicas dos tradicionalismos e conservadorismos de gênero –, ela transmuta para “colocando aqueles que estão ao seu redor bem à vontade”, que reafirma os efeitos de sentidos de submissão das meninas e mulheres que devem aprender a se comportar de forma a deixar o outro (homem/masculino) confortável.

Se os sentidos podem ser alterados, eles, contudo, sofrem pressões (inter) discursivas e ideológicas para permanecerem os mesmos. Justamente por isso, “todo dizer é ideologicamente marcado” (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.:38), uma vez que os sentidos nunca são unívocos nem totalmente estáveis e fixos, mas sim são instituídos e estabilizados historicamente em disputa com outros discursos, ideologias e sujeitos – também interpelados por formações discursivas e ideologias. O Esquecimento Número 2 é um dos elementos constitutivos da linguagem utilizados para analisar e compreender as condições de produção dos sentidos expondo as formações discursivas; por exemplo, ao utilizar as palavras (suportes e superfícies materiais e linguísticas dos discursos) “mas sobre fazer aqueles que estão ao seu redor se sentirem mais confortáveis” (sequência discursiva 12) ao invés de, por exemplo, “mas sobre [sentir-se à vontade sem constranger] aqueles que estão ao seu redor”, o sentido desse discurso configura-se pautado em uma posição ideológica da feminilidade ligada à compassividade, e não em outra.

Processo discursivo – ou a partir de qual ideologia estão falando?

Foram destacadas três formações discursivas que congregam discursos sobre feminilidade no site da EP: algo natural e inato às mulheres; ligada aos elementos morais tradicionais de domesticidade; e compassividade – todos eles são espaços de regularidades de sentidos que não causam espanto considerando a proposta da EP. No entanto, ao contrário de serem naturais, os predicados atribuídos ao gênero feminino devem ser compreendidos tanto como experiências performativas e discursivas constituídas via reiteração (Butler, 2017BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017 [1990].) quanto como elementos ideológicos (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.) que posicionam os sujeitos em modelos identitários organizadores de relações de dominação e de exploração.

Os processos de naturalização do gênero feminino produzidos pelos discursos do site da EP correspondem a uma formação ideológica ou a uma ideologia, isto é, eles não se resumem a um sistema de crenças, mas são um sistema de práticas de caráter binário no que diz respeito aos gêneros – ou homem ou mulher, ou masculinidade ou feminilidade – baseado na suposta linearidade entre sexo biológico, identidades/atitudes de gênero e orientação (hetero)sexual (Butler, 2017BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2017 [1990].). Dessa forma, as três formações discursivas que representam a formação ideológica no discurso destacam uma ideologia específica que interpela os indivíduos em sujeitos. Ao tentar delimitar os sentidos que se inscrevem sobre corpos e sobre os gêneros, os discursos do site da EP cristalizam a divisão entre normalidade e anormalidade, fomentando mecanismos de poder e relações de dominação (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2008.; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].).

Essa ideologia específica, por sua vez, possui uma longa tradição. Até hoje, os aspectos e as justificativas biológicas consolidadas na transição do século XVIII para o XIX com as teorias eugênicas e higiênicas são tomados como referenciais para designar o normal e o anormal, tanto dos corpos quanto das qualidades morais e psicológicas dos sujeitos generificados. Assim, ao sustentar que existem características de/para os gêneros consideradas normais (típicas) ou anormais (atípicas) de homens ou de mulheres, a EP revela sua posição discursiva estratégica, a saber: o gênero feminino deve servir à ideologia dominante na manutenção das relações de poder desiguais e assimétricas entre mulheres (submissas) e homens (dominadores), pois isso garantiria a ordem e o progresso (Miskolci, 2005MISKOLCI, Richard. Do desvio às diferenças. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, 47 (1), 2005, pp.9-41 [https://doi.org/10.4322/tp.v1i47.43 - acesso em 09 jun. 2017].
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).

Nesse sentido, é importante reiterar que a ideologia tem como meio de efetivação os aparelhos repressivos e os aparelhos ideológicos do Estado que não são redutíveis às/aos ideias/argumentos, mas envolvem fundamentalmente ações (Althusser, 1998ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1998 [1970].; Susen, 2017SUSEN, Simon. Reflexões sobre a ideologia: as lições de Pierre Bourdieu e Luc Boltanski. Perspectivas, 49, 2017, pp.101-137.). Por isso, seria mais apropriado argumentar que a EP participa de um movimento no Brasil contemporâneo que, ao mesmo tempo que refuta a denominada ideologia de gênero (Balieiro, 2018BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. “Não se meta com meus filhos”: a construção do pânico moral da criança sob ameaça. cadernos pagu (53), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185306 [https://doi.org/10.1590/18094449201800530006 - acesso em: 23 abr. 2020].
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), não se percebe ou não se assume como reprodutora de uma (outra) ideologia, no caso, a que sustenta tradicionalismos, conservadorismos morais e desigualdades entre os gêneros e que é partidária de específicas e interessadas relações de poder. Em outras palavras: sendo justamente essa sua/uma específica ideologia, os valores e os interesses da EP não devem ser nem apercebidos nem criticados pelos sujeitos, posto que seriam qualidades constitutivas e naturais dos corpos e das subjetividades.

Assim, as posições discursivas que estabelecem esses sentidos são correspondentes às determinações econômicas e políticas (fundamentadas no modo de produção capitalista, ou seja, na luta de classes) que visam perpetuar as relações de desigualdade-subordinação, seja entre as classes sociais (Althusser, 1998ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1998 [1970].; Pêcheux, 2014PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974].), seja entre os gêneros (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.). Maneira mais direta de expressar esse argumento seria dizer que o gênero atribuído aos sujeitos ao ser suposto como decorrente da natureza ou da normalidade da biologia é tanto efeito quanto causa dessas desigualdades: “a construção de gênero ocorre hoje através das várias tecnologias do gênero e discursos institucionais com o poder de controlar o campo do significado social e assim produzir, promover e implantar representações de gênero” (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.:228, destaque nosso).

Essa formação ideológica ou ideologia que tem como prerrogativa e fundamento a biologia dos corpos é sustentada e sustenta a organização familiar nuclear burguesa heterossexual, contribuindo para a disciplinarização dos corpos e para a manutenção da organização social via exploração, além de coibir qualquer outra configuração/dinâmica familiar, regime sexual ou auto designação identitária que não tenha como fundamento a reprodução biológica dos descendentes e a reprodução social dos tradicionalismos e conservadorismos das atitudes de homens e de mulheres (Foucault, 2008FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2008.; Tokuda; Peres; Andrêo, 2016). Esses fenômenos de exclusão e de repressão possuem instrumentos próprios para responder às necessidades economicamente vantajosas e politicamente úteis para as classes (elites) e gêneros (homens) dominantes, tais como a divisão social e sexual do trabalho. Quando os discursos da EP estabelecem uma normatização de gênero baseada no binarismo e na divisão sexual, eles remontam aos argumentos de as mulheres possuírem funções determinadas e específicas (maternidade, devido à imposição do papel reprodutivo etc.), além de contribuírem para que os sujeitos que rompem com a (hetero)norma sejam excluídos (Miskolci, 2005MISKOLCI, Richard. Do desvio às diferenças. Teoria & Pesquisa: Revista de Ciência Política, 47 (1), 2005, pp.9-41 [https://doi.org/10.4322/tp.v1i47.43 - acesso em 09 jun. 2017].
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; Santiago; Barreiro, 2014SANTIAGO, Flávio; BARREIRO, Alex. Educação e violência: a escola à serviço do dispositivo heteronormativo. Cadernos de Pedagogia, 7 (14), 2014, pp.89-100.).

Susen (2017)SUSEN, Simon. Reflexões sobre a ideologia: as lições de Pierre Bourdieu e Luc Boltanski. Perspectivas, 49, 2017, pp.101-137. ressalta que os interesses das classes dominantes se relacionam com as produções simbólicas. Assim, a ideologia dominante serve aos interesses particulares que são naturalizados e, portanto, tendem e intencionam a se apresentar como universais a todos os integrantes da sociedade – similarmente ao que Pêcheux (2014)PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas, Editora Unicamp, 2014 [1974]. denominou de Esquecimento Número 1 (esquecimento ideológico). Por isso, os indivíduos são constituídos sujeitos pela interpelação ideológica “[quando] a representação social é aceita e absorvida por uma pessoa como sua própria representação, e assim se torna real para ela, embora seja de fato imaginária” (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.:220). Em outras palavras, os sentidos sobre ser homem e ser mulher não são decididos pelos sujeitos particulares, pois eles e elas estão inseridos em processos discursivos e ideológicos já em pleno funcionamento (Orlandi, 2013ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas, Pontes Editores, 2013.).

Dessa forma, os discursos do site da EP não são a origem das formações ideológicas, mas ilustram as maneiras pelas quais a ideologia se reproduz na/pela linguagem, reforçando ordens sociais e simbólicas nas quais o feminino ocupa lugar de submissão (Bourdieu, 2012BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2012.). Exemplo disso é que mesmo com a crescente participação das mulheres no mercado formal de trabalho e nas instituições formais de ensino – que deveriam servir de indicadores de independência econômica e de aumento do status social –, elas ainda ocupam posições subalternas e/ou acumulam funções nos espaços domésticos (dupla jornada) (Coelho; Baptista, 2009COELHO, Leila Machado; BAPTISTA, Marisa. A história da inserção política da mulher no Brasil: uma trajetória do espaço privado ao público. Psicologia Política, 9 (17), 2009, pp.85-99 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2009000100006&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 07 abr. 2020].
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; De Souza; Baldwin; Rosa, 2000; França; Schimanski, 2009FRANÇA, Ana Letícia; SCHIMANSKI, Édina. Mulher, trabalho e família: uma análise sobre a dupla jornada feminina e seus reflexos no âmbito familiar. Emancipação, 9 (1), 2009, pp.65-78 [http://dx.doi.org/10.5212/Emancipacao.v.9i1.065078 - acesso em: 15 mai. 2019].
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; Silva; Blanchette, 2017SILVA, Ana Paula da; BLANCHETTE, Thaddeus Gregory. Por amor, por dinheiro? Trabalho (re) produtivo, trabalho sexual e a transformação da mão de obra feminina. cadernos pagu (50), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2017, e175019 [https://doi.org/10.1590/18094449201700500019 - acesso em: 11 abr. 2018].
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). Ademais, tais condições históricas, políticas e econômicas atuam conjuntamente com as ideológicas e discursivas que atribuem às mulheres e às feminilidades posições de submissão nas relações de produção e na ordem social, cujos severos efeitos (tais como assédios morais, sobrecarga de responsabilidades, violências etc.) são recorrentes nos espaços públicos e privados (Rocha-Coutinho, 2004ROCHA-COUTINHO, Maria Lúcia. Novas opções, antigos dilemas: mulher, família, carreira e relacionamento no Brasil. Temas em Psicologia, 12 (1), 2004, pp.2-17.; Oliveira; Cavalcanti, 2007OLIVEIRA, Anna Paula Garcia; CAVALCANTI, Vanessa Ribeiro Simon. Violência doméstica na perspectiva de gênero e políticas públicas. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 17 (1), 2007, pp.39-51 [http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822007000100005&lng=pt&nrm=iso - acesso em: 08 jun. 2019].
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).

Compreender que há condições ideológicas que produzem a naturalização do(s) sentidos sobre o(s) gênero(s) feminino(s) em modalidades tradicionais do ponto de vista dos costumes e da moral significa desvelar como as relações de poder foram constituídas e funcionam. Dessa forma, analisar os discursos do site da EP permite tanto compreender os esquemas de materialização da dominação quanto conceber e efetivar enfrentamentos.

Para finalizar – a ideologia ainda...

Após a realização desta análise do discurso, foi possível destacar que os discursos do site da EP produzem efeitos de sentidos com características tradicionais e conservadoras de moral de gênero e de feminilidade – o que é e o que não é próprio para as meninas e mulheres –, fomentando a naturalização das desigualdades sociais. Ainda foi possível destacar uma formação ideológica – uma ideologia – que atribui às mulheres e ao feminino uma posição de submissão resultante dos processos sociais, históricos e discursivos que, promovidos por instituições, reforçam as assimetrias entre homens e mulheres. Dessa forma, a análise das condições de produção dos sentidos de/entre os gêneros – e também entre infância e educação – permitiu mostrar como os aspectos ideológicos são produzidos e se materializam pelos discursos, questionando as supostas neutralidades e naturalidades – tal como pretendido pela EP. Pontua-se ainda que discursos como os da EP estabelecem modelos identitários binários que constrangem as diversidades das feminilidades ao atenderem a uma lógica de dominação e exploração que contribui para a perpetuação e para o não reconhecimento das violências entre os gêneros.

A despeito dessas potencialidades, este estudo possui algumas limitações, tais como a restrição do corpus à materialidade linguística do site da EP e à não consideração (tendo em vista as características da superfície/materialidade linguística utilizada que destaca apenas os atributos de gênero) de outras categorias sociológicas que interseccionam o gênero (raça/etnia, orientação sexual, orientação religiosa, geração etc.). Por isso, é premente investigar outras materialidades linguísticas – como entrevistas com professores, coordenadores, alunos e famílias da EP – relacionadas a esse objeto e que poderiam aprofundar a elucidação das normatizações e naturalizações de gênero que interpelam os indivíduos em sujeitos generificados concebidos não apenas como diferentes, mas fundamentalmente como desiguais.

Considerando que a cristalização dos discursos e seus efeitos não equivalem a todas as posições empíricas dos sujeitos, mas sim às suas posições discursivas, a EP representa apenas um dos muitos aparelhos ideológicos que reproduzem aspectos tradicionalistas e conservadores de gênero no contexto sócio histórico hodierno no Brasil. Em suma, isso significa que esse conjunto de discursos tem potencial para replicar e manter seu público-alvo, as meninas/mulheres, em posições minoradas quando comparadas aos meninos/homens, sendo isso consequência dos modelos educacionais, ideológicos e discursivos específicos, e não da biologia/natureza dos corpos. Portanto, num contexto de demandas por amplas transformações sociais – incluindo as de gênero e de orientações sexuais – contestar criticamente os pináculos dessas desigualdades é de suma relevância, pois permite que mulheres e homens compreendam e resistam às desigualdades entre e intra gêneros, permitindo modos de feminilidades e de masculinidades mais equânimes.

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  • 1
    Em 2020, havia três unidades ativas (Uberlândia/MG, Belo Horizonte/MG e São Paulo/SP).
  • 2
    Michele Bachelet no Chile (2006-2010/2014-2018), Cristina Fernández de Kirchner na Argentina (2007-2015) e Dilma Rousseff no Brasil (2011-2016)
  • 3
    De maneira sucinta – e segundo seus críticos – ideologia de gênero é um termo que faz referência ao conjunto de propostas dos grupos de matizes políticas de esquerda que concebe os gêneros e suas identidades como construções sociais, segundo as quais os sujeitos poderiam alterar seus gêneros livremente conforme suas demandas, desejos ou necessidades, rompendo com as naturais características biológicas, psicológicas e morais dos corpos. Portanto, os críticos da ideologia de gênero partem do pressuposto da existência de uma natureza/essencialismo dos gêneros ao mesmo tempo em que não se reconhecem como produtores de uma ideologia específica sobre o tema. Por sua vez, os críticos do essencialismo de gênero igualmente não se reconhecem como ideólogos, mas suas críticas desvelam as intencionalidades e desigualdades produzidas pelos essencialistas biológicos que enfatizam as linearidades entre sexo/gênero/orientação sexual – para aprofundar essa discussão, conferir Corrêa (2018)CORRÊA, Sonia. A “política do gênero”: um comentário genealógico. cadernos pagu (53), Campinas-SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2018, e185301 [https://doi.org/10.1590/18094449201800530001 - acesso em: 23 abr. 2020].
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    , Miskolci e Campana (2017)MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, (32) 3, 2017, pp.725-748 [https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3203008 - acesso em: 09 set. 2019].
    https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3...
    e Souza (2014)SOUZA, Sandra Duarte. “Não à ideologia de gênero!” A produção religiosa da violência de gênero na política brasileira. Estudos de Religião 28, 2, 2014, pp.188-204 [https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v28n2p188-204 - acesso em: 15 abr. 2020].
    https://doi.org/10.15603/2176-1078/er.v2...
    . Neste artigo, compreendemos a partir de Michel Pêcheux que ambos (críticos da ideologia de gênero e críticos do essencialismo biológico de gênero) participam de formações ideológicas e/ou ideologias, cujas consequências, todavia, são radicalmente diferentes.
  • 4
    Para Michel Pêcheux, não é o sujeito que é interpelado pela Ideologia, mas sim a Ideologia que interpela o indivíduo (ente sem história) em sujeito (de uma história) sem que ele se aperceba disso. A partir disso, Teresa de Lauretis argumentou que uma ideologia interpela os indivíduos em sujeitos homens ou mulheres.
  • 5
    O site da EP possui as seguintes seções e subseções (que estão entre parênteses, quando houver): A Escola; Características (Identidade da princesa; Relacionamentos da princesa; Etiqueta de princesa; Estética de princesa; Castelo da princesa; De princesa à rainha); Cursos; Eventos e festas; Galeria de fotos; Adquira o Livro.
  • 6
    A partir da definição conceitual de discurso (efeitos de sentidos entre interlocutores) proposta por Michel Pêcheux decorreu a necessidade de uma definição operacional: qual é o tamanho ou extensão de um discurso? Para Pêcheux, o discurso é uma unidade superior à frase. Porém, essa definição não é gramatical ou sintática (a frase é maior/superior à palavra, mas inferior à oração e ao parágrafo etc.), mas sim discursiva, isto é, o sentido não se limita à materialidade linguística (palavra, frase, oração, parágrafo etc.) pois é dependente das formações discursivas que lhes são exteriores e anteriores. Na história da metodologia da análise do discurso, uma das principais querelas é como constituir o corpus, ou seja, como delimitar a extensão da sequência discursiva a ser analisada, sendo que alguns autores preferem utilizar palavras pré-definidas, ou termos assemelhados (palavras-pivot), ou frases, ou orações, ou textos com extensões definidas, ou imagens etc. Independentemente do critério adotado, qualquer uma destas permite uma análise do discurso, haja vista que qualquer materialidade linguística é discursiva e produz sentidos – para uma discussão aprofundada, conferir Baronas (2007)BARONAS, Roberto Leiser (org.). Análise do discurso: apontamentos para uma história da noção-conceito de Formação Discursiva. São Carlos, Pedro & João Editores, 2007. e Courtine (2014)COURTINE, Jean-Jacques. O conceito de formação discursiva. In: COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Carlos, EDUFSCAR, 2014, pp.69-96..
  • 7
    Para Michel Pêcheux (apoiado em Louis Althusser), a interpelação ideológica ocorre por intermédio dos aparelhos repressivos e dos aparelhos ideológicos do Estado – dentre os quais a linguagem. Mas como os aparelhos repressivos e os ideológicos atingem os indivíduos de maneiras diferenciadas a depender de suas classes sociais (Althusser, 1998), gênero (Lauretis, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro, Rocco, 1994, pp.206-241.) ou outros marcadores sociais, isso significa que os efeitos dessa interpelação são, também, diferenciais. Disso decorre que os sentidos constituem os sujeitos a depender de sua classe social, gênero etc., que, assim, não são universais – por isso os sentidos mudam conforme o posicionamento sociológico e discursivo dos sujeitos. Conceitualmente, as formações discursivas representam os efeitos da interpelação da ideologia (isto é, da formação ideológica) nos grupos.
  • 8
    Nesse ponto, análises interseccionais (de raça/etnia com sexo/gênero) seriam profícuas, mas fugiriam ao escopo desta investigação. Porém, não se pode desconsiderar que os nascidos na realeza são castelões (vivem em castelos), enquanto os que não nascidos em castelos são aldeões (vivem em aldeias) ou vilões (vivem em vilas) – considerando toda carga semântica que esse último termo possui. Portanto, segundo a EP, uma mulher que não é princesa é uma mulher vilã/vil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2022
  • Aceito
    15 Fev 2023
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