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A formação do pensamento de Celso Furtado, o imperativo tecnológico e as metamorfoses do capitalismo

The formation of Celso Furtado's thought, the technological imperative and metamorphoses of capitalism

Resumo

Este artigo apresenta um apanhado do conjunto da obra de Celso Furtado e rastreia as etapas e as influências mais importantes na formação de seu pensamento. No conjunto de sua obra, Celso Furtado atribui um papel central ao progresso tecnológico na sua interpretação da dinâmica do sistema capitalista, em especial na estruturação da divisão centro-periferia. Esse lugar central do progresso tecnológico é notável na avaliação que faz Celso Furtado da primeira estruturação do capitalismo global resultado das forças expansionistas do núcleo industrial inicial. Essa estrutura derivada da revolução industrial será transformada persistentemente, donde a formulação de uma visão das metamorfoses do capitalismo a partir desse olhar desde a periferia sobre a dinâmica do progresso tecnológico.

Palavras-chave:
Celso Furtado; Progresso tecnológico; Dinâmica centro-periferia

Abstract

This article reviews Celso Furtado's work and tracks the most important stages and influences in his formation. Celso Furtado attributes a central role to technological progress in his interpretation of the dynamics of the capitalist system, especially in shaping the center-periphery divide. Technological progress, a key component of the first industrial nucleus and its expansionist forces, structures the initial steps of a global system. This global system, derived from the industrial revolution, will be subsequently transformed, hence Celso Furtado's elaboration on metamorphoses of capitalism. Furtado's approach has the advantage point of a view from the periphery of the dynamics of technological progress.

Keywords:
Celso Furtado; Technological progress; Center-periphery dynamics

1. Introdução

A atual pandemia tem comprometido as comemorações do centenário de Celso Furtado. Muito do que foi planejado não pôde ser realizado, ou, quando o foi, esteve aquém do pretendido e do que merece o homenageado. Celso Furtado é um dos maiores nomes da vida brasileira, com ele os brasileiros aprenderam a acreditar que o país não está condenado à subalternidade, à mediocridade, às iníquas desigualdades. Sua voz, sua ação lúcida e corajosa, não hesitou em afrontar os poderosos, em convocar a esperança e a luta:

(...) Este país não é meu nem vosso ainda, poetas. Mas ele será um dia o país de todo homem (...) trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias entre o jogo e o amor. Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, metros e explode. - Ó vida futura! Nós te criaremos.

Fazem falta o poeta, Drummond, e Celso Furtado, nestes tempos, sombrios, que precisam inventar:

Aurora, Entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais acender e dos bens que repartirás com todos os homens. Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, Adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna. O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos. (...) Havemos de amanhecer. O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

É possível que Celso Furtado gostasse da ideia de inventar a aurora, ele que tanto valorizou a imaginação e a coragem, a ciência e a arte, a reflexão e a ação informada. Assim, não se surpreenderia com a mobilização da poesia para saudá-lo numa revista de inovação e tecnologia, como também estará em casa se a revista fosse de economia, de política, de sociologia, de história, de filosofia, de literatura, de temas culturais. Nascido em 1920, na cidade de Pombal, interior da Paraíba, Celso Furtado, filho de magistrado e de professora, depois de estudar na capital da Paraíba e no Recife, mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1939, e passou a cursar Direito, em 1940, na Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), curso que concluiu em 1944.

Ao mesmo tempo em que cursava Direito, passou a exercer atividades jornalísticas, como repórter, redator, crítico musical e revisor em publicações como Revista da Semana e Correio da Manhã. Em 1943, foi aprovado em concursos, no Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) e no Departamento do Serviço Público do Rio de Janeiro para trabalhar como técnico em administração pública. Em 1944 foi convocado pela Força Expedicionária Brasileira. Em 1945, participou da Campanha da Itália como tenente, atuando como oficial da ligação junto ao 5o Exército Norte-americano. De volta ao Brasil, decide se dedicar ao estudo da economia. Em 1946, publica seu primeiro livro, uma coletânea de contos - De Nápoles a Paris - contos da vida expedicionária. Ainda em 1946, voltou à Europa, para realizar curso de Doutorado em Economia pela Sorbonne. Concluiu o doutorado em 1948, com tese sobre a economia colonial brasileira. De volta ao Brasil, retomou suas funções no Dasp e passou a trabalhar na revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Casou-se, em 1948 com Lúcia Tosi, com quem teve dois filhos - Mário e André. Em 1948, mudou-se para Santiago do Chile onde fez parte da pioneira equipe da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), de 1949 a 1958. Durante esse período, ao lado de estudos e pesquisas sobre a economia de vários países latino-americanos, vai se dedicar, especialmente, a partir de 1953, a coordenar o grupo Misto Cepal-BNDE, que foi responsável pelos estudos sobre a economia brasileira, que vão subsidiar o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitscheck. Entre 1957 e 1958, participou das atividades acadêmicas do grupo de economistas keynesianos de Cambridge, que reunia nomes como Joan Robinson, Nicolas Kaldor, Luigi Pasinetti. Durante este período, escreveu seu livro mais famoso - Formação Econômica do Brasil , publicado em 1959. De volta ao Brasil, em 1958, elaborou, por solicitação do Presidente da República, estudos sobre a realidade nordestina, que vão dar origem à criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959, órgão que dirigiu entre 1959 e 1964. Em 1962, aceitou o convite do Presidente João Goulart para elaborar o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965). Inicialmente como Ministro sem Pasta, em janeiro de 1963 foi confirmado como Ministro do Planejamento, cargo que ocupou até junho de 1963, quando se afastou do governo, em virtude das reações geradas pelo Plano, atacado tanto pela direita, quanto pela esquerda radicalizada, representada por Leonel Brizola. Retornou à Sudene.

Em 1964, resistiu ao golpe juntamente com o governador Miguel Arraes. Seus direitos políticos foram cassados pelo Ato Institucional no 1. Teve início um longo exílio, que, inicialmente, o levou aos Estados Unidos, como professor nas universidades de Yale e de Columbia. Em 1965, tornou-se professor de Desenvolvimento Econômico na Universidade de Paris, onde foi nomeado catedrático, o primeiro estrangeiro a receber esse título. Seus vínculos com a Universidade de Paris não o impediram de realizar e manter sistemáticos contatos com diversas universidades, em várias partes do mundo. Em 1979, anistiado, passou a vir ao Brasil com mais regularidade envolvendo-se nas lutas contra a ditadura militar, seja por meio de seus livros e debates, seja por ação política direta, filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Ainda em 1979, casou-se com Rosa Freire d’Aguiar. Em 1986, assumiu o Ministério da Cultura; em 1997, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras; e em 2003, entrou para a Academia Brasileira de Ciências. Faleceu, no Rio de Janeiro, em 2004 (FURTADO, 2013FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013.).

2. Uma visão do conjunto da obra

Terá sempre algo de arbitrária qualquer classificação temática de uma obra tão vasta, diversa e complexa como a de Celso Furtado, que reúne mais de quarenta livros. Se em alguns casos, a atribuição temática é direta e imediata, por exemplo, obras autobiográficas, para muitos outros temas da obra furtadiana o endereçamento é ambíguo, seja pelo fato de muitos desses volumes terem matéria diversificada, seja pela complexa trama inter e transdisciplinar presente nos livros, mesmo quando não sendo coletâneas. É o caso exemplar de Criatividade e dependência na civilização industrial, a um tempo ensaio histórico, sociológico, econômico, político e filosófico.

De todo modo, pode ser útil tentar agrupar os temas da obra furtadiana. É o que se vai fazer, a partir daqui, organizando-a em oito grandes blocos temáticos.

  • I. Obra literária, autobiográfica e memorialística

    • De Nápoles a Paris: contos da vida expedicionária, 1946.

    • A fantasia organizada, 1985.

    • A fantasia desfeita, 1989.

    • Os ares do mundo, 1991.

    • Anos de formação. 1930-1948, 2014, organizado por Rosa Freire d’Aguiar.

    • Diários intermitentes. 1937-2002, 2019, organizado por Rosa Freire d’Aguiar.

  • II. A economia brasileira

    • Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII (1948), 2001.

    • A economia brasileira (Contribuição à análise do seu desenvolvimento), 1954.

    • Uma economia dependente, 1956.

    • Perspectivas da economia brasileira, 1957.

    • Formação econômica do Brasil, 1959.

  • III. Teoria do subdesenvolvimento e do desenvolvimento

    • Desenvolvimento e subdesenvolvimento, 1961.

    • Dialética do desenvolvimento, 1964.

    • Teoria e política do desenvolvimento econômico, 1967.

    • O mito do desenvolvimento econômico, 1974.

    • Pequena introdução ao desenvolvimento - um enfoque interdisciplinar, 1980.

    • Brasil. A construção interrompida, 1992.

    • Economia do desenvolvimento. Curso ministrado na PUCSP em 1975, 2008.

  • IV. A luta pelas reformas estruturais

    • A pré-revolução brasileira, 1962.

    • O Nordeste e a saga da Sudene. 1958-1964, organização de Rosa Freire d’Aguiar, 2009.

    • O Plano Trienal e o Ministério do Planejamento, organização de Rosa Freire d’Aguiar, 2011.

    • Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina, 1966.

    • Um projeto para o Brasil, 1968.

  • V. A economia latino-americana

    • Formação econômica da América Latina, 1969.

    • Ensaios sobre a Venezuela. Subdesenvolvimento com abundância de divisas, organização de Rosa Freire d’Aguiar, 2008.

  • VI. Dependência e Imperialismo

    • A hegemonia dos Estados Unidos e o subdesenvolvimento da América Latina, 1973.

    • Transformação. Crise na economia mundial, 1987.

    • ABC da dívida externa, 1989.

    • Raízes do subdesenvolvimento, 2003.

  • VII. A luta contra a política econômica da ditadura

    • Análise do “Modelo” brasileiro, 1972.

    • O Brasil pós-“milagre”, 1981.

    • A Nova Dependência, dívida externa e monetarismo, 1982.

    • Não à recessão e ao desemprego, 1983.

  • VIII. Cultura e desenvolvimento

    • Prefácio à nova economia política, 1976.

    • Criatividade e dependência na civilização industrial, 1978.

    • Cultura e desenvolvimento em época de crise, 1984.

    • O capitalismo global, 1998.

    • O longo amanhecer. Reflexões sobre a formação do Brasil, 1999.

    • Em busca de novo modelo. Reflexões sobre a crise contemporânea, 2002.

    • Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura, organização de Rosa Freire d’Aguiar, 2012.

    • Essencial Celso Furtado, organização de Rosa Freire d’Aguiar, 2013 FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013. .

A listagem trazida aqui refere-se aos livros publicados por Celso Furtado, como único autor, excluídas, assim, as obras por ele organizadas, como o número especial de Le temps modernes, que foi publicado no Brasil, em 1968, com o título Brasil: tempos modernos, reunindo ensaios, dele próprio, Hélio Jaguaribe, Francisco Wefort, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, José Leite Lopes, Otto Maria Carpeaux, Jean-Claude Bernardet, Antônio Calado. Também não foram incluídos os livros de entrevistas - Seca e Poder, de 1998, em que foi entrevistado por Maria da Conceição Tavares, Manuel Correia de Andrade e Raimundo Rodrigues Pereira, e o livro de 2002, Celso Furtado, em que foi entrevistado por Aspásia Camargo e Maria Andréa Loyola.

3. A formação do pensamento econômico de Celso Furtado

Celso Furtado é desses seres privilegiados que se descobrem, no caso dele precocemente, dotados de um apetite pela vida, que transcende o instintivo de buscar sobreviver e mesmo a busca da felicidade, pela conquista de firme convicção de que são capazes de deixar uma marca no mundo, de melhorá-lo, pelo uso da inteligência crítica e solidária. É isso que transborda da ousadia de um jovem, 18 anos, que diz:

Quero registrar hoje, aqui, uma ideia que há tempo venho acariciando: escrever uma ‘História da civilização brasileira’. Seria uma obra completa sob o ponto de vista crítico-filosófico. Não seguiria o plano até hoje seguido pelos nossos historiadores. Ao lado das influências individuais observaria as influências das coletividades. Não me deixaria emaranhar pelos fatos. Não seria uma história das guerras. Vejo dentro de mim esse monumento isento de facciosidade, de paixões: a história de uma Civilização. ( FURTADO, 2019 FURTADO, C. Diários Intermitentes. 1937-2002. São Paulo, Companhia das Letras, 2019. , p. 48).

E o jovem paraibano, ginasiano no Recife, adivinhou a École des Annales”. Sua recusa da “histoire evenementielle”, sua busca da história totalidade, da história-problema, da história em seu incancelável diálogo com as ciências humanas e sociais, com a geografia, com a demografia, com a sociologia, com a psicologia, com a antropologia, com a economia...

Celso Furtado bacharelou-se em Direito, mas nunca se colocou, seriamente, o exercício da profissão. Desde cedo tomado pela literatura, pela música, voltou-se para as humanidades, especialmente para a história. Durante o curso de Direito tomou contato com a economia política e descobriu, enfim, o que tanto procurava: um instrumento poderoso e indispensável para realizar seu objetivo intelectual de toda a vida, entender o Brasil e contribuir para a superação de suas crônicas mazelas, dramaticamente vivenciadas no Nordeste.

Em duas ocasiões, em 1973 e 1997, traçou as linhas gerais de seu percurso intelectual em que reconheceu a decisiva influência sobre seu pensamento, de três matrizes teóricas: o positivismo, o marxismo e a sociologia culturalista norte-americana. Reporte-se o dito por Furtado sobre essas influências. Sobre o positivismo, disse ele,

A primazia da razão, a ideia de que todo conhecimento em sua forma superior se apresenta como conhecimento científico , a ligação entre conhecimento e progresso, tudo isso se impregnou em mim como evidente. O meu ateísmo, que cristalizara desde os treze anos, encontrou aí uma fonte de justificação e um motivo de orgulho. ( FURTADO, 2013 FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013. , p. 40).

Em outro texto, Furtado buscou qualificar as razões de seu positivismo, dizendo:

Fui inicialmente seduzido pelo positivismo, a ideia de que a ciência fornece o conhecimento em sua forma mais nobre. Não era o comtismo primário, mas a confiança na ciência experimental como meio de descobrir os segredos da natureza. ( FURTADO, 1998 FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. , p. 9).

Essa vontade de atuar racionalmente, de mobilizar a ciência para enfrentar problemas sociais, acompanhou Furtado durante toda a sua vida profissional. Mesmo antes de se tornar economista, Furtado se envolveu em problemas administrativos e organizativos da administração pública. Na Cepal, foi pioneiro na apropriação tanto dos métodos e técnicas de planificação, quanto na elaboração de contas nacionais. Ou seja, a construção de uma teoria do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, de uma economia política do capitalismo periférico, objetivo geral da Cepal, foi desenvolvida por Celso Furtado sem perder de vista as dimensões empíricas e quantitativas dos fenômenos econômicos.

Nesse sentido, não será arbitrário dizer que a grande dedicação de Furtado às questões referentes ao planejamento econômico é herança de uma nunca negada influência positivista, que ele buscou temperar, seja pela explícita recorrência à dialética hegeliana, seja ao pensamento de Marx. De fato, a adesão “sans phrase” ao positivismo, é, no caso da economia, receita infalível para ilusão típica de certas perspectivas de planejamento, que acabam por fetichizar o planejamento tomado como capaz de colocar a história sob os trilhos retos da razão em sua marcha inexorável para o progresso. Foi essa a lição de certa vertente do iluminismo, sintetizada por Condorcet, que Saint-Simon e seu secretário e discípulo, Comte, adotaram em seus projetos de engenharia social, e que reverberam nas teorias de planejamento.

De todo modo, influenciado pelo positivismo, Furtado escapou de suas problemáticas ilusões quando se realizam como planejamento demiúrgico. Diz Furtado: “Algo é fundamental: o planejamento não deve destruir as raízes da criatividade. Existe esse risco, pois planejar é impor uma racionalidade que será assumida por todos.” (FURTADO, 1999FURTADO, C. O Longo Amanhecer. Reflexões sobre a Formação do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999., p. 79).

A ideia de uma “racionalidade a ser assumida por todos”, sem maiores qualificações, carrega, pelo menos, duas implicações problemáticas. A primeira é a que sugere a existência de uma única racionalidade, a racionalidade instrumental, excluindo todas as outras possibilidades da razão. A segunda implicação questionável é que essa posição não questiona a legitimidade de quem se arroga a prerrogativa de “impor” a racionalidade. Quanto à primeira questão, é necessário lembrar que a “racionalidade instrumental” não esgota o universo de possibilidades da razão, desde sua emergência na antiguidade clássica. Tome-se, por exemplo, a etimologia. Há duas matrizes léxicas para a ideia de racionalidade. Uma que é derivada da tradição grega, que decorre da palavra legos, de onde lógica, e que remete às ideias de ligar pensar, articular. A outra matriz, de origem latina, suscita as ideias de contar, controlar, calcular, contabilizar, e tem como raiz a palavra rat, de onde ratio, razão, racionalidade. Assim, desde o imediato da etimologia abre-se uma clivagem importante entre as duas matrizes da racionalidade, que na modernidade vai se configurar na constituição de duas vertentes, antitéticas, de racionalidade, a saber, uma “racionalidade manipulatória”, instrumental, que reúne nomes como os de Galileu, Copérnico, Descartes, Newton, Concorcet, Laplace, os positivistas; e uma “racionalidade não manipulatória”, que foi praticada por nomes como Montaigne, Spinoza, Pascal, Vico, Rousseau, Goethe (BORNHEIM, 1993BORNHEIM G. Reflexões sobre o Meio Ambiente - Tecnologia e Política. In: STEIN, E.; BONI, L.A. de. (org.). Dialética e Liberdade. Festschrift em Homenagem a Carlos Roberto Cirne Lima. Porto Alegre/Petrópolis: EUFRGS/Vozes, 1993.). Que a primeira vertente tenha prevalecido, que tenha se arrogado à condição de única possibilidade da razão, que esse movimento de imposição da “racionalidade instrumental” tenha sido, também, de soterramento da “racionalidade não manipulátória”, deixada na sombra, como resíduo de um passado a ser esquecido, são resultados históricos da imposição da ordem social capitalista e da captura que ela procedeu de todas as instituições da modernidade. Um dos truques do diabo, consta, é fazer crer que ele não existe. O truque do capitalismo tem sentido inverso e igual eficácia. O capitalismo se apresenta como preexistente a tudo e a tudo coalescente. Assim, a cidade, a universidade, o estado, a ciência, a tecnologia, a razão, seriam todos invenções do capitalismo, quando, de fato, foram capturados pelo capital e colocados a seu serviço. Com efeito, por exemplo, a cidade moderna, primeira e decisiva instituição da modernidade, não foi criada pelo capital e, de fato, resistiu a ele por muito tempo. O capital, na verdade, nasceu no campo e, posteriormente, invadiu a cidade (WOOD, 2001WOOD, E.M. A Origem do Capitalismo. São Paulo, Boitempo Editorial, 2001.).

O capital não criou as universidades, as ciências modernas, senão que se apropriou delas e as reconfigurou no sentido de hipertrofiar o que nelas convalidam a manipulabilidade, a venalidade, o controle, a calculabilidade, a homogeneização, a exploração.

Ao seu modo, Celso Furtado reconheceu os vínculos entre a imposição da hegemonia da racionalidade instrumental e a imposição da acumulação capitalista. Diz ele:

A difusão da racionalidade instrumental no tecido social (a racionalização a que se refere Weber) é menos decorrência da prática do intercâmbio e do uso da moeda - da extensão do ‘mundo da mercadoria’ do que da subordinação do conjunto das atividades sociais de acumulação. Nas sociedades capitalistas de forte acumulação, a racionalização avança muito mais rapidamente do que nas de acumulação lenta.” (...) “Assim, a ascensão na estrutura de poder, de grupos sociais em condições de impor à sociedade um forte ritmo de acumulação tende a ampliar a área social submetida a critérios de racionalidade instrumental. ( FURTADO, 2002a FURTADO, C. Em Busca de Novo Modelo e Reflexões sobre a Crise Contemporânea. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002a. , p. 58-59).

De resto, as influências positivistas sobre Celso Furtado devem ser consideradas à luz da recepção brasileira do positivismo, que, aqui, deu frutos ponderáveis, como apontou Alfredo Bosi. Diz ele: aos positivistas, no Brasil, devem ser tributadas

(...) algumas iniciativas que, em várias conjunturas, se opuseram ao pesado conformismo social de nossas oligarquias liberais desde o fim do Império até o ocaso da República Velha. Pertencem ao saldo positivo: o pensamento antropológico antirracista; a precoce adesão à campanha abolicionista mais radical; a luta pelo Estado republicano leigo com a consequente instituição do casamento civil, do registro civil obrigatório e da laicização dos cemitérios; a exigência sempre reiterada da austeridade financeira no trato da coisa pública; enfim, o interesse pela humanização das condições do trabalho operário, que resultou, tanto na França da Terceira República como no Brasil, em propostas de leis trabalhistas, afinal implementadas quando políticos gaúchos de formação positivista ascenderam ao poder central em 1930. ( BOSI, 2004 BOSI, A. O Positivismo no Brasil: Uma Ideologia de Longa Duração. In: PERRONE-MOISÉS, L. (org.). Do Positivismo à Desconstrução. Ideias Francesas na América. São Paulo, Edusp, 2004. p.17-47 , p. 22).

A segunda explícita influência reivindicada por Furtado foi:

Marx, como subproduto de meu interesse pela história. Foi lendo a História do socialismo e das lutas sociais, de Max Beer, que me dei conta pela primeira vez de que a busca de um sentido para a história era uma atividade intelectual perfeitamente válida. Na sociedade estratificada e parada do tempo em que eu vivia, a ideia de que as formas sociais são históricas - portanto, podem ser superadas - permitia ver o mundo com outro olhar. (FURTADO, 2013FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013., p. 4).

Em outro momento, disse Furtado:

Em seguida manifesta-se a influência de Marx por intermédio de Karl Manheim, o homem da sociologia do conhecimento, que colocou o saber científico em contexto social. Esse o ponto de partida de meu interesse pela história como objetivo de estudos. ( FURTADO, 1998 FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. , p. 9).

Trata-se, portanto, de uma dupla descoberta, de Marx e da História, que tanto mitigarão, relativizando, os influxos positivistas, quanto vão se constituir em referências permanentes no modo como Furtado vai organizar sua concepção de realidade social. Diz ele:

Se meus contatos com as ideias de Marx no plano da teoria da história foram definitivos, o mesmo não poderia dizer com respeito às suas ideias referentes à economia. Minha leitura de O Capital ocorreu quando meu conhecimento de economia clássica (na versão ricardiana) já eram avançados e quando a moderna macroeconomia (na versão keynesiana) já se havia imposto. Dessas leituras, ficaram-me, contudo, algumas ideias que se incorporarão definitivamente à minha forma de ver os processos econômicos. A primeira dessas ideias (reforçada pelas leituras de Schumpeter, feitas um pouco depois) é a da importância decisiva do progresso tecnológico. A outra é que os capitalistas tendem compulsivamente a acumular capital, ou seja, tentarão romper todos os obstáculos que se lhes opuserem nesse caminho. ( FURTADO, 2013 FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013. , p. 45-46).

O trecho citado foi escrito em 1973. Em 1976, Celso Furtado ampliou a discussão mediante ousada e qualificada tentativa de síntese da economia política, que está no livro Prefácio a Nova Economia Política , em que Furtado buscou sintetizar seus, então, trinta anos de contínua dedicação à economia política, com proposta que é uma sistemática articulação de suas matrizes teóricas mais potentes, a saber: a economia política clássica; a crítica da economia política clássica por Marx; e as variantes mais profícuas do pensamento neoclássico, a partir de Keynes e Schumpeter; e as variantes institucionalistas e historicistas do pensamento econômico a partir de nomes como Thorstein Veblen, Max Weber e Werner Sombart (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.).

Não é preciso concordar com o expurgo da teoria do valor, em sua versão marxiana, para reconhecer os méritos da proposta de Furtado como uma plataforma consistente de constituição de uma “nova Economia Política”, sintonizada às grandes transformações e contradições do capitalismo contemporâneo, pela incorporação sistemática de questões como as grandes empresas transnacionais, a ecologia.

Celso Furtado suplementou seus estudos de economia realizados na Sorbonne, com importante passagem pelo prestigioso Institute d’Etudes Politiques, uma das grandes Écoles, do ensino francês, a Scienses Po. Ali foi aluno de Jean Baby, num curso de História do Socialismo, de Auguste Cornu, que ministrou um curso sobre marxismo, de Jean-Jacques Chevalier, curso de história das ideias políticas, e de Charles Marazé, história dos fatos econômicos (D’AGUIAR, 2013D’AGUIAR, R.F. Essencial Celso Furtado. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras, 2013., p. 23). Todos esses professores são grandes nomes do pensamento do século XX. Destaquem-se aqui, os dois nomes ligados ao pensamento marxista, que vão ajudar a entender a apropriação do pensamento de Marx por Celso Furtado. Jean Baby, que nos anos 1940/50, alinhava-se à linha oficial do Partido Comunista Francês, nos anos 1960 vai ser atraído, como parte considerável da esquerda francesa, para o maoismo. É já a partir dessa perspectiva que ele escreveu seu livro mais conhecido - As grandes divergências do mundo comunista, publicado no Brasil pela Editora Senzala (BABY, s.d.).

Auguste Cornu tem ainda maior justo reconhecimento por ser autor de uma vasta biografia de Marx e de Engels, Karl Marx e Friedrich Engels. Vida e obra, publicada em alemão, cujo primeiro volume saiu em 1954, referente aos anos 1818-1844; o segundo volume, publicado em 1962, referente aos anos 1844-1845; e o terceiro volume, de 1968, abarcando o período 1845-46. Sobre o curso de Cornu, disse Furtado:

Segui com interesse no Instituto de Ciências Políticas, o curso de marxismo ministrado pelo professor Auguste Cornu, de longe o mais prestigiado da época. Era um curso mais fundamentado em filosofia do que em economia, mas na bibliografia figurava O Capital (primeiro tomo), a ser estudado com minúcia.

(...) A formidável vista que descortina Marx sobre a gênese da história moderna não deixa indiferente nenhum espírito curioso, já a contribuição no campo da economia parecia de menor peso, para quem estava familiarizado com o pensamento de Ricardo e conhecia a macroeconomia moderna. O Professor Cornu detinha-se pouco em economia, evitando extraviar-se nos labirintos das discussões acadêmicas em torno da teoria do valor. Interessava-se por um “marxismo vivo”, vale dizer, voltado para a ação. Na verdade, o que ele apresentava era uma dinâmica social fundada em conceitos de classe derivados da categoria modo de produção. ( FURTADO, 2014 FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Edição definitiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. , p. 39-40).

Seria um óbvio despropósito, e um desrespeito inaceitável, se se viesse, setenta e quatro anos depois, pôr reparos às escolhas, às interpretações de Furtado da obra de Marx. Mesmo que se possa pensar que a leitura apenas do livro I de O Capital, que a pouca atenção dada à teoria marxista do valor, impediram uma compreensão mais acurada da obra de Marx por Furtado, tais lacunas poderiam ter sido sanadas ao longo do tempo, caso ele entendesse que isso teria enriquecido sua formação como economista. Como ele não tomou tal providência é de se crer que ele tenha sempre considerado adequada a sua apropriação do pensamento econômico, como se vê em sua proposta de uma Nova Economia Política.

De todo modo, a estrutura teórico-metodológica que ele construiu pareceu-lhe suficiente para enfrentar as grandes questões a que se propôs, a saber: a compreensão e a superação do subdesenvolvimento, a construção do desenvolvimento como transformação social comprometida com a distribuição da renda e da riqueza, com a democracia, com a diversidade, com a sustentabilidade, no contexto da dominação capitalista em fase imperialista.

Em época em que o ensino e a pesquisa nas Ciências Sociais, no Brasil e em outras partes, ainda não estavam inteiramente institucionalizados, a formação intelectual de Celso Furtado se destaca pelo sempre acurado e atualizado de seus estudos. Em seu doutorado, na França, estudou com nomes de primeira linha do pensamento marxista - Jean Baby e Auguste Cornu, e com grandes representantes da École des Annales, como Charles Marazé. Seu contato com Raúl Prebisch, nome pioneiro do pensamento crítico latino-americano, o marcou profundamente, como também o marcaram seus contatos com os economistas keynesianos de Cambridge.

A terceira fonte formativa, reconhecida por Furtado, de seu pensamento é a sociologia culturalista norte-americana. Diz ele:

A terceira corrente de pensamento que me influenciou foi a da sociologia norte-americana por intermédio de Gilberto Freyre. Casa grande e senzala revelou-me a dimensão cultural do processo histórico. O contato com a sociologia norte-americana corrigiu os excessos de meu historicismo. ( FURTADO, 1998 FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. , p. 9).

Em outro texto, diz:

A terceira linha de influência é a da sociologia norte-americana, em particular da teoria antropológica da cultura, com a qual tomei contato pela primeira vez por intermédio do livro de Gilberto Freyre, Casa grande e senzala. Esse livro, lido aos dezessete anos, não somente permitia ver muitas coisas com olhos novos, mas também os atualizava , isto é, nos punha em dia com o que se pensava no mundo intelectual em que se estava criando o conhecimento. Olhando retrospectivamente, vejo com clareza que o livro de Freyre pouco ou nada me influenciou no que respeita a sua mensagem substantiva, isto é, no que se refere à interpretação do processo histórico brasileiro. Sua importância esteve em que nos revelou todo um instrumental novo de trabalho. ( FURTADO, 2013 FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013. , p. 40-41).

Furtado atribuiu à sociologia norte-americana dois importantes aportes ao seu pensamento,

(...) de um lado, pelo que contribuiu para transitar das grandes questões teóricas para o enfrentamento de questões concretas, para usar a linguagem de Robert Merton, a construção de teorias de médio alcance, e de outro lado por que permitiram liquidar o acervo de preconceitos de raça, clima e caterva que nos envolviam num fatalismo imobilizador. ( FURTADO, 2013 FURTADO, C. Celso Furtado. Essencial. São Paulo, Penguin/Companhia das Letras, 2013. , p. 41-42).

4. Um olhar da periferia sobre o progresso tecnológico

Leitor de Marx e Schumpeter, Celso Furtado atribui ao progresso tecnológico um papel decisivo na dinâmica capitalista. O ponto de observação para as investigações de Celso Furtado está na periferia do sistema. A percepção da peculiaridade da periferia tem na obra de Raul Prebisch uma das suas fontes.1 1 A leitura de Lewis, Myrdal, Nurske, Rosenstein-Rodan, entre outros, contribui para uma visão abrangente da periferia, para além da região latino-americana. Essa contribuição de Prebisch é ressaltada no ensaio “A longa marcha da utopia”, no qual o tópico “a importância de Prebisch” (FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 18-20) é seguido pela “emergência do subdesenvolvimento”. Em obra anterior, o “centro e a periferia de R. Prebisch” é apresentado na revisão de concepções de desenvolvimento, destacando que “parte da análise da propagação da tecnologia moderna e da repartição dos frutos do progresso técnico” (FURTADO, 1986, p. 112).2 2 Ver também o capítulo “Retorno à visão global de Prebisch” (FURTADO, 1992, p. 61-72) e “O centenário de Prebisch” (FURTADO, 2002, p. 83-94).

Um olhar desde a periferia é, talvez, privilegiado para a construção de uma visão abrangente do sistema. Esse ponto de observação permite uma elaboração, apresentada no ensaio O mecanismo do desenvolvimento, escrito em 1952, no qual Celso Furtado associa desenvolvimento e progresso tecnológico, com uma definição bem schumpeteriana: “O processo de desenvolvimento se realiza seja através de combinações novas de fatores existentes, ao nível da técnica conhecida, seja através da introdução de inovações técnicas” (FURTADO, 1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961., p. 90).3 3 Devemos ao Prof. Maurício Coutinho a referência a essa passagem de Desenvolvimento e subdesenvolvimento, comentada em sua apresentação de 29 de julho de 2020 na Semana Celso Furtado.

Essa definição é acompanhada de uma delimitação do que seria o foco da contribuição teórica mais original de Celso Furtado: uma teoria do subdesenvolvimento. Essa clivagem explicita diferenças em termos de dinâmica tecnológica. Enquanto o crescimento de uma economia desenvolvida é “um problema de acumulação de novos conhecimentos científicos e de progressos na aplicação tecnológica desses conhecimentos”, o crescimento das economias subdesenvolvidas é “um processo de assimilação da técnica prevalente na época” (FURTADO, 1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961., p. 90).

O progresso tecnológico, na elaboração de Celso Furtado está incluído no interior de uma visão mais abrangente, que percebe essa dimensão como uma parte constitutiva da história humana e de uma característica inerente a nossa espécie: a criatividade. Progresso tecnológico, inovação estão contidos, mas não esgotam a criatividade humana. Essa visão abrangente permite ao mesmo tempo avaliar o papel do progresso tecnológico na dinâmica do sistema capitalista e compreender como esse sistema, a “civilização industrial”, pode bloquear uma expressão mais plena da criatividade humana (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977., p. 147).

Essa visão também permite localizar a “civilização industrial”, que tem a Revolução Industrial na sua instauração, como produto de revoluções políticas - a revolução burguesa - e de uma revolução científica (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977., p. 140).

A Revolução Industrial, esse “salto histórico” (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977., p. 31) molda a estrutura global do capitalismo, que inclui a divisão centro-periferia. Há um “centro dinâmico” a partir do qual o progresso tecnológico se irradia: “[a] criação de um primeiro núcleo industrial na Grã-Bretanha, de nível técnico relativamente elevado para a época, deu origem a um processo de irradiação da tecnologia moderna em escala mundial” (FURTADO, 1986b, p. 112).

Há certamente uma relação entre essa liderança tecnológica e o papel do Reino Unido na hegemonia do capitalismo global. A hegemonia do Reino Unido é destacada como um elemento estruturador de toda uma era da economia capitalista. “O sistema econômico mundial ... que se formara no século XIX sob a preeminência britânica.... tratava-se basicamente de um sistema de divisão internacional do trabalho, que exigiu a abertura crescente da economia inglesa”. Nesse sistema mundial, “[a] Inglaterra especializava-se na produção de manufaturas, na qual se concentrava o rápido avanço tecnológico da época e abria as suas portas à produção estrangeira baseada na abundância de recursos naturais e de mão de obra” (FURTADO, 2003bFURTADO, C. Raízes do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b., p. 56).

O papel da Inglaterra no sistema econômico mundial durante e após a Revolução Industrial dependia da concentração do “rápido avanço tecnológico” em seu território. A divisão internacional do trabalho, por sua vez, era moldada também por essa liderança tecnológica. Há assim um forte entrelaçamento entre o sistema econômico mundial e a divisão internacional do trabalho. O “primeiro núcleo industrial” significa o início de um conjunto de transformações que atinge o planeta. Numa apresentação sintética para a série Pioneers of Development, Celso Furtado distingue três movimentos

{...} causados pela força expansionista do primeiro núcleo industrial” ( FURTADO, 1997 FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40. , p. 25): 1) “ampliação e complexificação do núcleo inicial”, com a expansão da industrialização para expressiva parcela da Europa Ocidental (FURTADO, 1997, p. 25-26); 2) “ocupação de territórios de clima temperado”, com a migração de milhões de europeus para a América do Norte, Oceania e África do Sul (FURTADO, 1997, p. 26); 3) a “formação de um sistema de divisão internacional do trabalho.

Na estruturação desse sistema mundial sob a “preeminência da Grã-Bretanha”, Celso Furtado na Formação Econômica do Brasil, uma obra que pode ser lida como um estudo criterioso sobre raízes da inserção periférica do nosso país, há um capítulo em que há um “confronto com o desenvolvimento dos Estados Unidos”, analisando o contraste entre os Estados Unidos no século XIX “emparelhando-se com as nações europeias” e o Brasil se transformando “numa vasta região subdesenvolvida” (FURTADO, 1989FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 23. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989., p. 100). Celso Furtado menciona a extensão da industrialização já no início do século XIX (indústria têxtil, indústria naval) (FURTADO, 1989, p. 100, 102) e destaca o papel da “experiência técnica acumulada desde a época colonial” (FURTADO, 1989, p. 103). Destacando duas características da “primeira etapa da revolução industrial” - mecanização e substituição da lã pelo algodão - Celso Furtado avalia que “foram os EUA que se incumbiram da segunda” (FURTADO, 1989, p. 103). Assim, foi como exportadores de algodão “que os EUA tomaram posição na vanguarda da revolução industrial praticamente desde os primórdios desta” (FURTADO, 1989, p. 103), ou seja, como os Estados Unidos são parte do segundo movimento deflagrado pelo “núcleo industrial inicial”.4 4 A rigor, a descrição da estrutura inicial do sistema global derivado das forças expansionistas do núcleo industrial inicial já inclui a expansão do sistema para áreas além do núcleo inicial - e a pesquisa histórica mostra que essa expansão inicial, mesmo para a Europa Ocidental, não foi realizada sem esforço e sem inovações institucionais importantes, como ilustra Gerschenkron (1952) com o caso da Alemanha - as políticas de Hamilton e a elaboração de List (1841), descritas por Furtado, expressam políticas necessárias para a implementação da industrialização nesses países incluídos nos dois movimentos iniciais da formação do sistema global.

A explicitação desses três movimentos simultâneos é uma demonstração da “força expansionista do primeiro núcleo industrial”. A formação de um sistema de divisão internacional do trabalho é parte dessas mudanças, mas a iniciativa nessa estruturação está com quem gera o progresso tecnológico - há uma hierarquia aqui. Para Furtado (1997FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40., p. 27),

... o sistema de divisão internacional do trabalho - a especialização geográfica erigida em princípio básico ordenador das atividades econômicas - é fruto da iniciativa do núcleo industrial em seu empenho de ampliar os circuitos comerciais existentes ou criar novos”. Essa iniciativa “esteve com a economia que se industrializava e gerava o progresso técnico. ( FURTADO, 1997 FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40. , p. 27).

Nessa divisão internacional do trabalho, os “países que formam a vanguarda da Revolução Industrial... o progresso técnico penetra sem tardança nas formas de produção”. Já nas “regiões marginalizadas essa penetração se circunscreve inicialmente aos padrões de consumo, limitando os seus efeitos à modernização do estilo de vida de segmentos da população” (FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 62). Essa clivagem e esse diferencial de dinâmicas estão na base da compreensão do fenômeno do subdesenvolvimento: “o subdesenvolvimento, por conseguinte, é uma conformação estrutural produzida pela forma como se propagou o progresso técnico no plano internacional” (FURTADO, 1998, p. 62). Fenômeno persistente, uma condição estrutural existente na periferia, Celso Furtado antecipa muito do que atualmente é discutido sob a rubrica da “armadilha da renda média” ao explicitar a “engrenagem do subdesenvolvimento” (FURTADO, 1998, p. 64), ao definir o subdesenvolvimento como “uma armadilha histórica” (FURTADO, 1992, p. 37-59).

A forma de “propagação do progresso tecnológico” está na raiz do fenômeno do subdesenvolvimento. Por um lado, no subdesenvolvimento o progresso tecnológico é exterior, é um elemento exógeno: “na economia periférica as modificações no sistema produtivo são introduzidas do exterior” (FURTADO, 1997FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40., p. 32). Por outro lado, a forma como a assimilação do progresso tecnológico se processa é chave e define uma característica do subdesenvolvimento: a “inadequação da tecnologia”, que se relaciona à polaridade “marginalização-modernização” (FURTADO, 1997, p. 33).

O impacto inicial da revolução industrial reconfigura a economia planetária e estrutura um sistema global com uma divisão internacional do trabalho a partir da iniciativa de quem concentrava o acelerado avanço tecnológico: o sistema centro-periferia e o subdesenvolvimento são produtos de impactos iniciais da primeira revolução tecnológica.

5. O ‘imperativo tecnológico’ e metamorfoses do capitalismo

Cinquenta anos após a redação de O mecanismo do desenvolvimento Celso Furtado recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com um discurso intitulado Metamorfoses do capitalismo (FURTADO, 2002bFURTADO, C. Metamorfoses do Capitalismo. Rio de Janeiro: Discurso na Universidade Federal do Rio de Janeiro no recebimento do título de Doutor Honoris Causa. 2002b. Disponível em: http://www.redcelsofurtado.edu.mx. Acesso em: 15 set. 2011.
http://www.redcelsofurtado.edu.mx...
). Esse discurso é um roteiro precioso para a pesquisa das mudanças que sofreu a primeira estrutura do sistema econômico global nascido das “forças expansionistas do núcleo industrial inicial”. Celso Furtado pôde formular esse título sugestivo e provocador porque nesses cinquenta anos pesquisou e sistematizou mudanças que sofreu o sistema econômico global. A associação entre o “imperativo tecnológico” e as metamorfoses do capitalismo é uma excelente síntese da trajetória intelectual de Celso Furtado sobre o progresso tecnológico e sua relação com a dinâmica de longo prazo do capitalismo global.

A configuração inicial do sistema global derivada do impacto da “primeira revolução industrial” é persistentemente transformada por outros eventos. No início do século XXI Celso Furtado menciona o “imperativo tecnológico”, que é “semelhante ao que comandou o processo de industrialização que moldou a sociedade moderna” (FURTADO, 2002bFURTADO, C. Metamorfoses do Capitalismo. Rio de Janeiro: Discurso na Universidade Federal do Rio de Janeiro no recebimento do título de Doutor Honoris Causa. 2002b. Disponível em: http://www.redcelsofurtado.edu.mx. Acesso em: 15 set. 2011.
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, p. 3).5 5 A referência a um “imperativo tecnológico” é anterior (FURTADO, 1998, p. 26), em um ensaio intitulado “o novo capitalismo”. Nesse texto, entretanto, Celso Furtado ainda não utilizou a expressão “metamorfoses do capitalismo”. No início do século XXI a questão é se interrogar sobre o “quadro histórico que se esboça” (FURTADO, 2002b, p. 6).

Uma leitura da obra de Celso Furtado dirigida para identificar mudanças profundas na tecnologia ou o que ele considera “revolução tecnológica” (FURTADO, 2002bFURTADO, C. Metamorfoses do Capitalismo. Rio de Janeiro: Discurso na Universidade Federal do Rio de Janeiro no recebimento do título de Doutor Honoris Causa. 2002b. Disponível em: http://www.redcelsofurtado.edu.mx. Acesso em: 15 set. 2011.
http://www.redcelsofurtado.edu.mx...
, p. 3), encontra inúmeras referências a diversas mudanças relevantes - e que têm impactos relevantes sobre o conjunto do sistema, emerge uma “nova dinâmica” (FURTADO, 2002b, p. 5).

O quadro histórico moldado pela revolução industrial será reconfigurado de forma persistente, envolvendo pelo menos três tipos de mudanças que se superpõem: revoluções tecnológicas, mudanças na hegemonia no sistema global e diversos acessos à “civilização industrial”. Nessas mudanças superpostas o “imperativo tecnológico” está sempre presente e Celso Furtado acompanha essas mudanças, sempre com um olhar desde a periferia. A posição de vanguarda tecnológica, assumida pelo Reino Unido na criação do núcleo industrial inicial, se desloca e tem repercussões em termos da hegemonia no sistema global. A posição hegemônica tem raízes na capacidade tecnológica - que se associa com poderio militar. O sistema global configurado pela revolução industrial é transformado pelos diversos acessos à industrialização de países localizados na periferia, através de formas diferentes de assimilação do progresso tecnológico gerado nos centros dinâmicos.

Em primeiro lugar, transformações tecnológicas se sucedem e são descritas e avaliadas por Celso Furtado.

No livro Economic Development of Latin America (FURTADO, 1976FURTADO, C. Economic development of Latin America. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.) esses movimentos são capturados avaliando as repercussões sobre a América Latina. O capítulo 4 trata da transformação do comércio internacional na segunda metade do século XIX, processo que se relaciona a uma “segunda fase da revolução industrial”, caracterizada pela “application to the transport sector of technology originally developed in connection with manufacturing industries” (FURTADO, 1976, p. 43). Ferrovias, que integraram os mercados nacionais na Europa e a mecanização do transporte marítimo “brought about radical changes in the conditions of international trade” (FURTADO, 1976, p. 43). Invenções na década de 1840 - como o propulsor - ampliaram o alcance das atividades de navegação (alto volume, baixo custo) com implicações decisivas para o centro dinâmico: “English manufacturers managed to ‘internalise’ the external economies resulting from the technological revolution in transport” (FURTADO, 1976, p. 43). No contexto dessas mudanças, consolida-se o centro como produtor de bens de capital (FURTADO, 1976, p. 47) - o aparecimento de setores produtores de máquinas e equipamentos no centro é uma demonstração de mudanças na dinâmica no centro, o que permite que a exportação de capital seja parte de uma “network for transmitting technical progress as a subsidiary of the international division of labor”. A importância das indústrias de bens de capital para a dinâmica das economias centrais é tema de Furtado, que ressalta uma diferenciação de fases em relação a elas. O início da industrialização caracteriza-se por uma expansão da indústria de bens de capital (FURTADO, 1986b, p. 132). Já em uma “fase mais avançada” do processo de industrialização há “o rápido avanço da técnica nas indústrias de bens de capital” (FURTADO, 1986b, p. 135).

Ainda em Economic Development of Latin America (FURTADO, 1976FURTADO, C. Economic development of Latin America. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.), há o capítulo 5 que trata da reorientação da economia internacional no século XX. Entre as tendências discutidas por Furtado há a expansão da exportação de petróleo na composição do comércio mundial de produtos primários desde o final da Primeira Guerra Mundial (FURTADO, 1976, p. 52). Essa expansão, vista desde a periferia, é certamente reflexo da emergência do motor a combustão, da indústria automobilística e do desenvolvimento de técnicas químicas que permitiram o refino do petróleo, mudanças tecnológicas centrais que caracterizarão o padrão industrial no pós-guerra. A emergência de novas indústrias também relacionadas à química - fibras sintéticas, borracha sintética, nitrato sintético - têm repercussões sobre os países exportadores dos produtos que foram substituídos por essas inovações tecnológicas (FURTADO, 1976, p. 52).

A importância da computação eletrônica é percebida por Furtado em Um projeto para o Brasil - publicado em 1968FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1968. -, que em um capítulo relativo à “preeminência mundial dos Estados Unidos no após-guerra” ressalta “o avanço significativo das técnicas de manipulação de informações”, derivado de capacidade “que se obtém graças a computadores eletrônicos de capacidade cada vez maior” (FURTADO, 1976FURTADO, C. Economic development of Latin America. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1976., p. 93-94). “Avanços da eletrônica” tornam possível a ampliação do horizonte de atuação das grandes empresas, com a “possibilidade de diversificar-se funcional e geograficamente” (FURTADO, 1976, p. 94).

Em segundo lugar, Celso Furtado acompanha mudanças na hegemonia no sistema global. O primeiro “núcleo industrial”, dotado de poderosa “força expansiva” é a Inglaterra e o Reino Unido (FURTADO, 1997FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40., p. 25). Esse núcleo, apoiado na posição de vanguarda tecnológica, configura o sistema global, como apresentado na seção anterior. Há, dessa forma, um longo período de hegemonia do Reino Unido, que começaria a se encerrar com “uma mudança estrutural na economia mundial [...] que acompanhou o declínio da posição econômica da Grã-Bretanha em fins do século XIX” (FURTADO, 1968, p. 100).

Transição que se relaciona com os “conflitos mundiais do século XX” que “puseram fim ao sistema de poder que se formara desde as guerras napoleônicas” (FURTADO, 2003bFURTADO, C. Raízes do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b., p. 15). Já articulando com o contexto da guerra fria, “os Estados Unidos foram colocados no centro de um dos pólos do poder mundial” (FURTADO, 2003b, p. 16).

Essa transição de hegemonia está apoiada na capacidade tecnológica construída nos Estados Unidos e configura um novo sistema global. Essa nova liderança tecnológica é construída longamente - em Formação Econômica do Brasil, faz referência a um acúmulo tecnológico desde tempos coloniais e a participação na revolução industrial (FURTADO, 1989FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 23. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989., p. 103). Dois fatores desempenharam um papel importante nos Estados Unidos: abundância de recursos naturais e um mercado de dimensões continentais: “[g]raças a esses dois fatores, o progresso tecnológico pôde realizar-se nos Estados Unidos, em frente muito mais ampla do que em qualquer outra parte. Progresso tecnológico tanto no que respeita aos processos produtivos como no que se relaciona à organização e direção da atividade econômica” (FURTADO, 1968, p. 100).

A natureza do novo sistema é distinta: “[o] sistema econômico internacional que surgiu sob a hegemonia norte-americana é essencialmente distinto daquele que se formara no século dezenove sob a preeminência britânica” (FURTADO, 1968FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1968., p. 91). No caso da Grã-Bretanha o sistema econômico mundial baseava-se na divisão internacional de trabalho, enquanto no caso dos Estados Unidos a hegemonia “resultaria da projeção internacional de um conjunto de grandes empresas” (FURTADO, 1986, p. 91) - dada a autonomia que os Estados Unidos conseguiriam preservar “vis-à-vis” do resto do mundo, estaria em condições privilegiadas para exercer o papel de centro estabilizador e orientador da economia mundial” (FURTADO, 1986, p. 91-92).

A hegemonia dos Estados Unidos associa-se à conjuntura pós-segunda guerra mundial, com novo quadro político internacional em torno do “mito da guerra fria” (FURTADO, 2003bFURTADO, C. Raízes do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b., p. 18-20). Esse novo contexto internacional está associado à nova forma como sua liderança tecnológica se exerce, na medida em que

[...] a carreira armamentista tem permitido aos Estados Unidos financiar, sem sobrecarregar financeiramente as empresas, vultosos gastos em ‘pesquisa e desenvolvimento’. [...] Introduziu-se, assim, uma modificação estrutural na economia americana, graças à qual esta habilitou-se para exercer mais eficazmente a liderança tecnológica da civilização industrial. ( FURTADO, 1978 FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978. , p. 91).

A atenção a mudanças estruturais leva Celso Furtado a perceber importantes transformações derivadas do processo de reconstrução da Europa Ocidental e do Japão ao longo da década de 1950, incluído o fim do monopólio do poder atômico detido pelos Estados Unidos. Esses fatores levam Celso Furtado a especular sobre uma “opção policentrista” na economia mundial, com a “coexistência de vários centros dinâmicos”, que incluiriam, além dos Estados Unidos, “a Europa Ocidental, a União Soviética, a China e o Japão” (FURTADO, 1968FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1968., p. 110). Posteriormente, Celso Furtado avalia uma conjuntura de “instabilidade global”, que se relacionaria a uma mudança importante, derivada da estruturação planetária das atividades econômicas, na qual “nenhuma economia nacional desempenha o papel, que coube no passado à Inglaterra e posteriormente aos Estados Unidos, de centro dinâmico principal” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 153).

Sinais de uma nova transformação estrutural global são identificados por Celso Furtado em função do sistemático crescimento das economias da Ásia Oriental - não custa lembrar que em 1968 tanto a China como o Japão poderiam constituir-se em “centros dinâmicos” que coexistiriam numa opção policêntrica (FURTADO, 1968FURTADO, C. Um projeto para o Brasil. Rio de Janeiro: Saga, 1968., p. 110). As mudanças nas três décadas seguintes são abrangentes: “[a]s nações asiático-orientais, em particular a China, são hoje, sem lugar à dúvida, os líderes de uma nova onda de transformações que estão redefinindo a face do planeta” (FURTADO, 1998, p. 32).

Em terceiro lugar, a “civilização industrial” é alvo da ação de regiões fora do núcleo central constituído pela revolução industrial, com várias vias de acesso e resultados distintos, que ampliam a heterogeneidade na periferia - uma fonte de mudanças importante do sistema global investigada por Celso Furtado. Ao diferenciar as diversas vias de acesso à civilização industrial, Celso Furtado expõe enormes transformações estruturais, indicando outros elementos de moldagem estrutural além da “força expansiva do núcleo industrial inicial”.

Em Criatividade e dependência na civilização industrial Celso Furtado menciona três vias distintas de acesso à industrialização.

Uma primeira via é representada pelo Japão, em um esforço para “assimilar todo um sistema de civilização material” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 34). Uma facção da aristocracia “assumiu o controle do Estado e dele fez o instrumento das transformações sócio-econômicas requeridas” e conseguiu-se “implantar técnicas de produção ... já comprovadas pela experiência de outros países» (FURTADO, 1978, p. 34). A experiência japonesa é um exemplo de «criar deliberadamente vantagens comparativas em setores favorecidos por uma demanda externa elástica» (FURTADO, 1997, p. 35).

Uma segunda via é exemplificada pela URSS, uma experiência na qual “o Estado viria a desempenhar papel bem mais minucioso do que na experiência japonesa” (FURTADO, 1997FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40., p. 35). Gestado como experiência de um “socialismo em um só país”, o “projeto de desenvolvimento das forças produtivas tendeu a condicionar o processo social, assumindo papel similar ao da acumulação na lógica do capitalismo” (FURTADO, 1997, p. 36).

Uma terceira via, ao contrário das duas anteriores, é “indireta” e “conduz a uma situação de dependência estrutural” - um acesso que “deve-se a ruptura estrutural centro-periferia’” (FURTADO, 1997FURTADO, C. Entre inconformismo e reformismo. In: FURTADO, C. Obra Autobiográfica. Rio de Janeiro Paz e Terra, 1997. Tomo III. p. 9-40., p. 38). No interior dessa via, uma certa industrialização foi possível e, ainda que no quadro de um acesso indireto, uma progressiva diferenciação no interior da periferia foi possível, o que cobrou de Furtado a elaboração de uma “tipologia da integração em condições de subdesenvolvimento”, diferenciando inicialmente o caso “de países em que o processo de industrialização praticamente ainda não se iniciou” e o caso “de economias com graus distintos de industrialização” (FURTADO, 1986b, p. 232-233). Entre essas, que teriam percorrido a via de acesso indireto, Furtado sugere uma diferenciação adicional, com sua definição de “economias subdesenvolvidas mais complexas”, nas quais existiria “um núcleo industrial ligado ao mercado interno” e uma “fase superior do desenvolvimento”, alcançada quando “o sistema é capaz de produzir parte dos bens de capital que necessita para expandir a sua capacidade de produção interna” (FURTADO, 1986b, p. 145-146).

As mudanças possíveis nos países travados nessa via indireta permitem todo um imenso capítulo na obra de Celso Furtado - políticas para a superação do subdesenvolvimento (uma síntese encontra-se em FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 47-54) -, associadas à visão da possibilidade dessa superação, posteriormente exemplificada pelas trajetórias da Coreia do Sul e de Taiwan (FURTADO, 1992, p. 51).

Restaria uma via chinesa? Em Criatividade e dependência na civilização industrial a China ocupa uma posição “sui generis” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 96-100), pois Furtado então avaliava que ela seria a única nação que “na fase presente” reuniria “as condições mínimas para escapar ao campo gravitacional da civilização industrial” (FURTADO, 1978, p. 100). Ainda em 1992, para Furtado, “a China constituiria um caso à parte”, pois parecia-lhe que ela “jamais reproduzirá os padrões de consumo das nações capitalistas industrializadas” (FURTADO, 1992, p. 49).6 6 Essa questão está presente na obra de Furtado desde a década de 1970, quando ressaltava os dilemas relativos a uma opção de “consumo intensivo de recursos não renováveis” (FURTADO, 1977. p. 61). Em O capitalismo global, a China estaria no bloco da Ásia Oriental, como visto, um bloco então “liderado pelo Japão” (FURTADO, 1998, p. 32). As mudanças mais recentes na China levam Celso Furtado a associá-la a “um novo ato”: “o pioneirismo do sistema econômico que está emergindo na China abre a cena para um novo ato desse drama sempre surpreendente que é a construção da civilização capitalista” (FURTADO, 2003b, p. 28).7 7 Na introdução da nova edição do livro Raízes do subdesenvolvimento, escrita em maio de 2003, Celso Furtado explica que há mudanças no texto relativas ao fim da guerra fria (FURTADO, 2003b, p. 8). Esse conjunto de observações talvez permita concluir que a China representaria uma quarta via de acesso à civilização industrial.

Certamente, cada um desses acessos reconfigura, a seu modo, o sistema global. Esses diversos acessos à civilização industrial, na elaboração de Furtado, se entrelaçam com mudanças nos cenários internacionais por significarem, também, a emergência de potenciais novos centros dinâmicos e/ou novos centros com capacidade de interferir nos arranjos internacionais de poder - pensar a URSS na construção do “mito da guerra fria”, o Japão e a China na construção de um possível contexto policêntrico e na Ásia Oriental no capitalismo atual do final do século XX, a China e um “novo ato” da construção da civilização capitalista.

Mudanças na tecnologia, na hegemonia e no acesso à civilização industrial foram objeto de investigação e de reflexão teórica por Celso Furtado. A combinação desses três conjuntos de mudanças na civilização industrial permite a Celso Furtado investigar transformações mais gerais no conjunto do sistema global. A sensibilidade de Furtado a essas mudanças é perceptível em vários momentos de sua obra.

No final do século XX Furtado escreve sobre um capitalismo global, “uma realidade que se impõe” (FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 7), escreve um capítulo sobre “o novo capitalismo” (FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 25-34). Não é a primeira vez que Furtado comenta grandes transformações estruturais no sistema global. Uma listagem de fases diferentes descritas por Furtado encontra as seguintes definições que diferenciariam eras na história do capitalismo global distintas da era sob a “preeminência” da Grã-Bretanha:

  1. um “capitalismo pós-nacional”, diferente de uma “primeira fase do capitalismo industrial” (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977., p. 75), com três processos articulados “na evolução atual do sistema capitalista”: “terapêutica keynesiana”, “unificação do espaço econômico no centro do sistema capitalista”, “intensificação da concentração de capital” (FURTADO, 1977, p. 76-77);

  2. capitalismo pós-cíclico, no qual há um “papel estratégico assumido pelo Estado como instrumento estabilizador das economias nacionais” (FURTADO, 2003, p. 57);

  3. capitalismo organizado, fruto de uma “transição do chamado sistema de mercado atomizado” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 15);

  4. uma referência a “complexo processo histórico que transmutou o capitalismo dos grandes sistemas nacionais competitivos nesse outro em que a inovação e a acumulação estão essencialmente sob controle de grupos e empresas organizados transnacionalmente” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 84), aliada a uma referência à “emergência de um sistema global” (FURTADO, 1978, p. 23);

  5. uma “nova economia internacional” (FURTADO, 1986bFURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986b., p. 185): apoiado em uma citação a Hymer, Furtado comenta: “a economia internacional ligada à especialização geográfica e às vantagens comparativas vem cedendo lugar a outra em que os mercados são substituídos por transações internas às grandes empresas”.

Em todas essas transformações a estrutura da divisão centro-periferia, do subdesenvolvimento se mantém. Em Metamorfoses do capitalismo, Celso Furtado se interroga sobre o Brasil, com “uma renda dez vezes superior à renda da época em que comecei a refletir sobre o nosso subdesenvolvimento”. Pergunta: “o Brasil desenvolveu-se? A resposta, infelizmente, é não” (FURTADO, 2002bFURTADO, C. Metamorfoses do Capitalismo. Rio de Janeiro: Discurso na Universidade Federal do Rio de Janeiro no recebimento do título de Doutor Honoris Causa. 2002b. Disponível em: http://www.redcelsofurtado.edu.mx. Acesso em: 15 set. 2011.
http://www.redcelsofurtado.edu.mx...
, p. 2). Tratando-se de um país em um estágio superior de subdesenvolvimento, essa reflexão cinquenta anos depois de O mecanismo do desenvolvimento contém um outro elemento relacionado às metamorfoses do capitalismo: as estruturas transformam-se na periferia, pois na dinâmica do sistema global em seu conjunto incluem-se “processos adaptativos em face da evolução estrutural dos centros dominantes” (FURTADO, 1986b, p. 185).

Transformações na periferia articulam-se com mudanças na hegemonia e na forma como ela é conduzida. No período posterior à Segunda Guerra Mundial “desagregam-se os restos do imperialismo vitoriano e abre-se a fase de ‘descolonização’” (FURTADO, 1986bFURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986b., p. 236) e “a tutela militar dos Estados Unidos favoreceu o desmantelamento das estruturas coloniais...” (FURTADO, 1978FURTADO, C. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1978., p. 84).

Transformações tecnológicas no centro reconfiguram permanentemente os esforços de assimilação na periferia, pois na medida em que “a tecnologia da civilização industrial está em permanente progresso e o vetor desse progresso é a acumulação, todo atraso relativo na acumulação traduz-se em aumento do custo das técnicas importadas” (FURTADO, 1986bFURTADO, C. Teoria e política do desenvolvimento econômico. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986b., p. 101).

A natureza da divisão centro-periferia se transforma, a engrenagem e a armadilha histórica do subdesenvolvimento transmutam-se mas persistem, o perfil da dependência se transforma. Por isso, cinquenta anos depois de distinguir a dinâmica tecnológica do centro e da periferia, em O mecanismo do desenvolvimento, Celso Furtado apresenta Metamorfoses do capitalismo - um conceito que é uma espécie de acabamento teórico de uma trajetória intelectual que, com um olhar desde a periferia, acompanhou o imperativo tecnológico e todas as suas consequências na configuração e reconfiguração do sistema global.

Referências

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  • Fonte de financiamento:

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - (Processos 401054/2016-0 e 307787/2018-4).
  • 1
    A leitura de Lewis, Myrdal, Nurske, Rosenstein-Rodan, entre outros, contribui para uma visão abrangente da periferia, para além da região latino-americana.
  • 2
    Ver também o capítulo “Retorno à visão global de Prebisch” (FURTADO, 1992FURTADO, C. Brasil: a construção interrompida. São Paulo: Paz e Terra, 1992., p. 61-72) e “O centenário de Prebisch” (FURTADO, 2002, p. 83-94).
  • 3
    Devemos ao Prof. Maurício Coutinho a referência a essa passagem de Desenvolvimento e subdesenvolvimento, comentada em sua apresentação de 29 de julho de 2020 na Semana Celso Furtado.
  • 4
    A rigor, a descrição da estrutura inicial do sistema global derivado das forças expansionistas do núcleo industrial inicial já inclui a expansão do sistema para áreas além do núcleo inicial - e a pesquisa histórica mostra que essa expansão inicial, mesmo para a Europa Ocidental, não foi realizada sem esforço e sem inovações institucionais importantes, como ilustra Gerschenkron (1952GERSCHENKRON, A. Economic backwardness in historical perspective. Cambridge: Harvard University, 1952.) com o caso da Alemanha - as políticas de Hamilton e a elaboração de List (1841), descritas por Furtado, expressam políticas necessárias para a implementação da industrialização nesses países incluídos nos dois movimentos iniciais da formação do sistema global.
  • 5
    A referência a um “imperativo tecnológico” é anterior (FURTADO, 1998FURTADO, C. O Capitalismo Global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998., p. 26), em um ensaio intitulado “o novo capitalismo”. Nesse texto, entretanto, Celso Furtado ainda não utilizou a expressão “metamorfoses do capitalismo”.
  • 6
    Essa questão está presente na obra de Furtado desde a década de 1970FURTADO, C. Les États-Unis et le sous-développement de l’Amérique Latine. Paris: Calmann-Lévy, 1970., quando ressaltava os dilemas relativos a uma opção de “consumo intensivo de recursos não renováveis” (FURTADO, 1977FURTADO, C. Prefácio à Nova Economia Política. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.. p. 61).
  • 7
    Na introdução da nova edição do livro Raízes do subdesenvolvimento, escrita em maio de 2003, Celso Furtado explica que há mudanças no texto relativas ao fim da guerra fria (FURTADO, 2003bFURTADO, C. Raízes do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003b., p. 8).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2020
  • Aceito
    29 Set 2020
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