Banner Portal
Chamada para Publicação Dossiê Temático: Uma pausa na luta: Arte, política, insurgência

Chamada para Publicação Dossiê Temático: Uma pausa na luta: Arte, política, insurgência

Editores convidados: Manoel Ricardo de Lima, Davi Pessoa e Bruna Carolina Carvalho

 

No mundo agora, quais sujeitos se insurgem contra as guerras civis em curso? A guerra civil – Stasis – se tornou há tempos a condição dos acontecimentos políticos.Assim, os sujeitos se tornam uma figura de vital importância na luta pela democracia, visto que esta não é uma garantia dada a priori, mas, ao contrário, é uma luta singular em constante atuação, sempre sujeita a acidentes e contingências. O filósofo Giorgio Agamben, pensador dos conflitos políticos por meio de diversos dispositivos biopolíticos, aponta em Stasis: a guerra civil como paradigma político, livro de 2015, que não há uma “substância política”, pois “a política é um campo incessantemente percorrido pelas correntes tensionais da politicização e da despoliticização”, e acrescenta: “Entre essas polaridades opostas, disjuntivas e intimamente ligadas, a tensão não é resolvível”. E ainda, como argumenta o filósofo em sua conferência “O que é um dispositivo?”, de 2005: “O que define os dispositivos com os quais temos de lidar na atual fase do capitalismo é que estes não agem mais tanto pela produção de um sujeito quanto por meio de processos que podemos chamar de dessubjetivação”, uma vez que esta última já está implícita em todo processo de subjetivação. Porém, a tônica em tal tensão recai na composição de um novo sujeito em nossos tempos: “o que acontece agora é que processos de subjetivação e de dessubjetivação parecem se tornar reciprocamente indiferentes e não dão lugar à figuração de um novo sujeito”. 

Numa outra ponta de uma linha em espiral, é o poeta e pensador Pier Paolo Pasolini que, em 15 de março de 1969, já apontava a tensão proposta por Agamben, quando publica no semanário O Tempo, na sua coluna “O Caos”, um comentário acerca do livro Poesia e Errore, de Franco Fortini, que reúne poemas escritos entre 1946 e 1957, além de 25 poemas “mais recentes”, feitos entre 1961 e 1968, reunidos num extrato à parte. E é essa parte a que lhe interessa. Diz que nela há uma “fuga do zelo” e “uma nova reflexão numa zona patética”,responsáveis por remontar a figura de Fortini como “ensaísta e moralista: político”, com sua “obsessão pela guerra real”.Pasolini imagina que, com esses poemas, Fortinise contorce diante do impasse que é estar imerso numa luta e, ao mesmo tempo, fora dela, ambivalência que engendra uma “tensão diversa”.A questão, para Pasolini, é que Fortini, diante de seus rígidos camaradas de luta, tem vergonha de ser poeta e busca uma captatiobenevolentiae, porque esses entendem que a “única categoria válida para julgar os seres humanos é a da utilidade”. Daí sugere que Fortini escreve seus poemas durante “uma pausa na luta” (“sostadellalotta”). E manobra sua atenção a essa pausa como uma suspensão do tempo e da história, presente em cada linha reconfigurando – atravéstambém da poesia e do pensamento de Giacomo Leopardi e EugenioMontale – “o cruel desespero do ascetismo que tem como substância o nada”, porque Pasolini entende que “uma pausa na luta” é também a possibilidade de “reavalição da luta”.

Essa é a provocação que se inscreve como sugestão para esse dossiê temático: ler aquilo que se reinventa como uma deriva suspensa do tempo e da história. Uma leitura em descompasso capaz de esquartejar Narciso, a figura de um eu absoluto, para tocar alguma outra dispersão ontológica, um qual-quer frente a certo vazio significativo.Ao mesmo tempo, a tentativa em deixar algumas perguntas ativas: como não avançar sobre o agora? como não cair na cilada de que podemos entender as coisas apenas tal como estão? como pisar os pequenos espaços que temos cada vez mais devagar? como reavaliar a vida com força e alegria e sem tanto luto propondo uma pequena ou breve pausa na luta?Tais exercícios críticos podem acolher outras expressões artísticas para além da literatura, como o cinema, as artes visuais e performativas, a música, o teatro, entre outras. Sugerimos que os artigos se projetem acerca das seguintes linhas de investigação ou que procurem expandi-las:

  • Análise crítica de textos literários, obras audiovisuais, visuais, musicais e/ou performáticas produzidas ou exibidas/expostas durante processos históricos de repressão ou de mudança de regime político;
  • Estudos sobre as apresentações/representações nas obras artísticas capazes de produzir novas subjetividades, refletindo acerca de suas relações com o Estado, o trabalho, a economia, a luta de classes, a sexualidade, o desejo, os corpos, a violência (social, racial, de gênero, de classe, étnica);
  • Investigações concentradas ou comparadas em torno de alguma ideia de luta inscrita nas produções artísticas ou críticas que explore a ambivalência entre o ato e o gesto, a ação e a reflexão, o movimento e a pausa em períodos de transformações sociopolíticas.
  • Estudos que apontem para umaarquifilologia, tal como sugere o crítico Raúl Antelo, cujo traço singular é compor um pensamento em ação, “uma pausa na luta”, perseguindoo queressalta Pasolini. Escreve Raúl Antelo, em A Ruinologia, pequeno ensaio publicado em 2016: “aarquifilologia é uma estratégia de emergência, é uma prática de escritura não-normativa que cristaliza o conflito num entre-lugar de ficção e teoria, ora como fusão de logosphoné, ora como emergência do discurso biopolítico. Não propõe uma leitura nem sincrônica nem diacrônica, mas anacrônica”.

Prazo para envio: até 28/2/2025