Resumo
A democracia é um regime político que está relacionado não apenas ao cumprimento de procedimentos, mas também a valores e comportamentos. Uma de suas bases são redes de confiança interpessoal que fundamentam a cooperação entre indivíduos. Dado que o sistema democrático funciona como um mecanismo de resolução de problemas de ação coletiva, alocando recursos dos cidadãos para prover bens públicos, a satisfação de alguém com o regime envolve a percepção sobre as atitudes das outras pessoas, ou seja, se estão cooperando ou não para a sociedade. Além disso, a eficiência institucional também tem impacto sobre a opinião pública: democracias que não provêm bens públicos satisfatoriamente tendem a contar com menor apoio popular. Neste artigo, investigamos os efeitos de variáveis criminológicas sobre a satisfação com a democracia no Brasil, testando a hipótese quanto à presença de duplo vetor de efeitos: um direto – reduzindo apoio instrumental ao regime – e outro indireto – reduzindo confiança interpessoal. Para isso, utilizamos dados do Barômetro das Américas, de 2014. Testes feitos com modelos de regressão linear, equações simultâneas e modelos não paramétricos corroboraram a hipótese. Entretanto, modelos de mediação causal, uma forma mais rigorosa de testar a hipótese, revelaram não haver efeitos indiretos significativos.
Referências
ADORNO, S. “Crime, justiça penal e desigualdade jurídica: as mortes que se contam no Tribunal do Júri”. Revista USP, n° 21, p. 132-151, 1994.
AXELROD, R.; HAMILTON, W. D. “The evolution of cooperation”. Science, vol. 211, n° 4.489, p. 1.390-1.396, 1981.
BAQUERO, M.“Construindo uma outra sociedade: o capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil”. Revista de Sociologia e Política, nº 21, 2003.
BECKER, G. S. Crime and punishment: an economic approach. In: FIELDING, N. G.; CLARKE, A.; WITT, R. (eds.). The economic dimensions of crime. New York: Springer, p. 13-68, 1968.
BRUS, W. Marketization and democratization: the Sino-Soviet divergence. In:BAGCHI, A. (ed.).Democracy and development. New York: Palgrave Macmillan, p. 256-281, 1995.
BUNGE, M. “Systemism: the alternative to individualism and holism”. The Journal of Socio-Economics, vol. 29, n° 2, p. 147-157, 2000.
CASALECCHI, G. “Legado democrático e atitudes democráticas na América Latina: efeitos diretos, indiretos e condicionais”. Tese de doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
CERQUEIRA, D., et al. Atlas da violência. Brasília: Ipea, 2016.
CHEIBUB, J. A., et al. “What makes democracies endure?”.Journal of Democracy, The Johns Hopkins University Press, vol. 7, n° 1, p. 39-55, 1996.
COLEMAN, J. S. Foundations of social theory. Cambridge: Harvard University Press, 1994.
COMERFORD, J. Saber viver em meio a encrenqueiros, valentões e perigosos. In:BARREIRA, C.; AQUINO, J. P.; SÁ, L. D. (orgs.).Violência, ilegalismos e lugares morais. Campinas: Pontes, p. 43-58, 2014.
DAWKINS, R. The selfish gene. Oxford: Oxford University Press, 1976.
EASTON, D. Uma teoria de análise política. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
FERNANDEZ, K. E.; KUENZI, M. “Crime and support for democracy in Africa and Latin America”. Political Studies, vol. 58, n° 3, p. 450-471, 2010.
GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
HAIR, J. F., et al. Análise multivariada de dados. Porto Alegre: Bookman Editora, 2009.
IMAI, K.; KEELE, L.; TINGLEY, D. “A general approach to causal mediation analysis”. Psychological Methods, vol. 15, n° 4, p. 309-334, 2010.
INGLEHART, R.; WELZEL, C. Modernização, mudança cultural e democracia: a sequência dodesenvolvimento humano. São Paulo: Francis, 2009.
LIPSET, S. M. “Some social requisites of democracy: economic development and political legitimacy”. American Political Science Review, vol. 53, n° 1, p. 69-105, 1959.
LOCHNER, K.; KAWACHI, I.; KENNEDY, B. “Social capital: a guide to its measurement”. Health and Place,
vol. 5, n° 4, p. 259-270, 1999.
LUNDÅSEN, S. “Podemos confiar nas medidas de confiança?”.Opinião Pública, vol. 8, n° 2, p. 304-327, 2002.
MAZAR, N.; AMIR, O.; ARIELY, D. “The dishonesty of honest people: a theory of self-concept maintenance”. Journal of Marketing Research, vol. 45, n° 6, p. 633-644, 2008.
MOISÉS, J. Á. Os brasileiros e a democracia: bases sociopolíticas da legitimidade democrática. São Paulo: Ática, 1995.
OHTSUKI, H., et al. “A simple rule for the evolution of cooperation on graphs and social networks”. Nature, vol. 441, n° 7.092, p. 502-505, 2006.
OLSON, M. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999.
PAIVA, L. F. A construção social do calvário: sobre como os meios de comunicação retratam mortes violentas. In:BARREIRA, C.; AQUINO, J. P.; SÁ, L. D. (orgs.).Violência, ilegalismos e lugares morais. Campinas: Pontes, p. 135-156, 2014.
PINKER, S. Os anjos bons da nossa natureza: por que a violência diminuiu. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
PUTNAM, R. D. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1994.
REIS, B. P. W. “Capital social e confiança: questões de teoria e método”. Revista de Sociologia e Política, n° 21, p. 35-49, 2003.
ROEMER, J. E.On the relationship between economic development and political democracy. In:BAGCHI, A. (ed.). Democracy and development. New York: Palgrave Macmillan, p. 28-56, 1995.
SAPOLSKY, R. M. “Social status and health in humans and other animals”. Annual Review of Anthropology, p. 393-418, 2004.
SLOVIC, P.; MACGREGOR, D.; KRAUS, N. N. “Perception of risk from automobile safety defects”. Accident Analysis & Prevention, vol. 19, n° 5, p. 359-373, 1987.
TINGLEY, D., et al.“Mediation: r package for causal mediation analysis”. Journal of Statistical Software, vol. 59, n° 5, 2014.
TOMASELLO, M. The cultural origins of cognition. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1999.
TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. “Availability: a heuristic for judging frequency and probability”. Cognitive Psychology, vol. 5, n° 2, p. 207-232, 1973.
WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
WELZEL, C.; INGLEHART, R.; KRUSE, S. “Pitfalls in the study of democratization: testing the emancipatory theory of democracy”. British Journal of Political Science, vol. 47, n° 2, p. 463-472, 2017.
WILSON, F. South Africa: the problems in a deeply divided society. In:BAGCHI, A.(ed.). Democracy and development. New York: Palgrave Macmillan, p. 235–253, 1995.
WOOLDRIDGE, J. M. Econometric analysis of cross section and panel data. Cambridge: MIT Press, 2010.
A Opinião Pública utiliza a licença do Creative Commons (CC), preservando assim, a integridade dos artigos em ambiente de acesso aberto.