Resumo
O conceito de “letramento ideológico” (STREET, 1984) permite-nos validar todo e qualquer modelo de escrita. Nessa perspectiva, práticas de letramento marginalizado são tão legítimas, apesar de serem socialmente estigmatizadas, quanto práticas de letramento dominante. Neste artigo, investigo de que forma a escrita de duas estudantes da Educação de Jovens e Adultos se configura como uma subversão de normas sociais e linguísticas. Para tanto, utilizo a análise narrativa como metodologia que incorpora a natureza discursiva, situada e performativa das histórias estudadas (MOITA LOPES, 2021). No nível social, o acesso à leitura e à escrita é, para as estudantes, uma subversão de normas impostas, que as privaram do direito à educação. Na condição de mulheres que migraram do Nordeste para o Sudeste brasileiro em busca de melhores condições de vida, voltar a estudar e aprender a ler e escrever são atos de resistência que desafiam o status quo. No nível linguístico, as alunas reiteram suas intencionalidades enunciativas ao transgredirem a norma-padrão da língua portuguesa, ampliando as possibilidades de sentido dos textos a partir do uso subversivo de pontuação e dêiticos. Os resultados enfatizam a necessidade de reconhecer as histórias de letramento das estudantes como uma denúncia à atuação insuficiente do Estado quanto à oferta de educação de qualidade a todos. Ademais, os resultados indicam a necessidade de um ensino de língua que reconheça escritas não institucionalizadas como saberes a serem estudados em sala de aula, minimizando a linha abissal (SANTOS, 2010) entre saberes escolares e não escolares.
Referências
ARMITAGE, J. (2023). Anangu literacy practices unsettle northern models of literacy. In: Makoni, S.; Kaiper-Marquez, A.; Mokwena, L. (org.), The Routledge handbook of language and the global south/s. Abingdon, Oxon: Routledge, p. 397-411.
ASSOLINI, F. E.; TFOUNI, L. V. (1999). Os (des)caminhos da alfabetização, do letramento e da leitura. Paidéia, v. 9, n. 17, p. 25–34. https://doi.org/10.1590/S0103-863X1999000200004
BARBOSA, B.; MARTINS NETO, I. A. (2019). Heterogeneidade da escrita: “erros” ortográficos propositais em redes sociais digitais e a construção do sentido. Revista de Letras Norte@ mentos, v. 12, n. 29, p. 158-176. https://periodicos.unemat.br/index.php/norteamentos/article/view/7461
BARTON, D.; HAMILTON, M. (2000). Literacy practices. In: Barton, D.; Hamilton, M.; Ivanič, R. Situated literacies: reading and writing in context. Abingon, Oxon: Routledge, p. 7-15.
BECHARA, E. (2015). Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
BELLO, L.; BRITTO, V. (2024) Proporção de jovens de 6 a 14 anos no ensino fundamental cai pelo terceiro ano. Agência IBGE notícias, March 22, 2024. Available at: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/39530-proporcao-de-jovens-de-6-a-14-anos-no-ensino-fundamental-cai-pelo-terceiro-ano Access: Mai 27, 2024.
CORRÊA, M.L.A. (2001). Letramento e heterogeneidade da escrita no ensino de Português. In: Signorini, I. (org.), Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 135-166.
DE GRANDE, P. B. (2015). Formação continuada no local de trabalho do professor: possibilidades de agência e construção de sentidos para a docência. PhD Thesis in Applied Linguistics. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas. https://hdl.handle.net/20.500.12733/1624691
DUARTE, M. E.; SERRA, C. (2015). Gramática(s), ensino de português e “adequação linguística”, Matraga, v. 22, n. 36, p. 31-55. https://www.e-publicacoes.uerj.br/matraga/article/view/17046
GNERRE, M. (1991). Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes.
HEATH, S. B. (1983). Ways with words: language, life, and work in communities and classrooms. Cambridge: Cambridge University Press.
JESUS, C. A. (1995). Reescrita: para além da higienização. PhD Thesis in Applied Linguistics. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas. https://hdl.handle.net/20.500.12733/1582731
LISBOA, T. K. (2006). Gênero e migrações trajetórias globais, trajetórias locais de trabalhadoras domésticas. Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, n. 26-27, p. 151-166. https://remhu.csem.org.br/index.php/remhu/article/view/39
LIU, C.; CHUNG, K. K. H. (2022). Effects of fathers’ and mothers’ expectations and home literacy involvement on their children’s cognitive–linguistic skills, vocabulary, and word reading. Early Childhood Research Quarterly, v. 60, p. 1-12. https://doi.org/10.1016/j.ecresq.2021.12.009
MARTINS NETO, I. A. (2020). Adaptação, criação e juventude: diálogos entre práticas de letramento escolar e não escolar. PhD Thesis in Language Studies. Universidade Estadual de Londrina, Londrina. https://repositorio.uel.br/handle/123456789/8468
MARTINS NETO, I. A. ALMEIDA, A. L. de C. (2021). Zonas culturais híbridas em práticas de letramento escolar. Signum: Estudos da Linguagem, v. 24, n. 3, p. 11–29. https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/view/40936.
MAYBIN, J. (2000). The new literacy studies: context, intertextuality and discourse. In: Barton, D.; Hamilton, M.; Ivanič, R. Situated literacies: reading and writing in context. Abingon, Oxon: Routledge, p. 197-209.
MOITA LOPES, L. P. (2021). Os espaçotempos da narrativa como construto teórico-metodológico na investigação em linguística aplicada. Caderno de Letras, n. 40, p. 11-33. https://doi.org/10.15210/cdl.v0i40.21413
ORELUS, P. W. (2012). Facing with courage racial and linguistic discrimination: the narrative of an ELL Caribbean immigrant living in the U.S. Diaspora. Diaspora, Indigenous, and Minority Education, v, 6, n. 1, p. 19-33. https://doi.org/10.1080/15595692.2011.633130
PENNYCOOK, A.; MAKONI, S. (2020). Innovations and challenges in applied linguistics from the global south. Abingdon, Oxon: Routledge.
PEREIRA, C. G. C. (2020). Análise do sufixo avaliativo diminutivo no português brasileiro a partir de corpus eletrônico. Enlaces, v. 1, n. 1, p. 32-59. https://doi.org/10.55847/enlaces.v1i1.697
R’BOUL, H. (2023). English and the dissemination of local knowledges: a problematic for south-south dialogue. In: Makoni, S.; Kaiper-Marquez, A.; Mokwena, L. (org.), The Routledge handbook of language and the global south/s. Abingdon, Oxon: Routledge, p. 147-157.
SANTOS, B. de S. (2010). Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Santos, B. S.; Meneses, M. P. (org.), Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 31-83.
SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (2010). Introdução. In: Santos, B. S.; Menezes, M. P. (org.), Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez Editora, p. 15-27.
SANTOS, B. de S.; MENESES, M. P. (2020). Introduction: epistemologies of the South — giving voice to the diversity of the south. In: Santos, B. de S.; Meneses, M. P. (org.), Knowledges born in the struggle: constructing the epistemologies of the south. Abingdon, Oxon: Routledge, p. 18-43.
SIGNORINI, I. (2001). Construindo com a escrita “outras cenas de fala”. In: Signorini, I. (org.), Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 97-134.
SILVA, Y. M. P. (2016). “Esses nordestinos...”: discurso de ódio em redes sociais da internet na eleição presidencial de 2014. Master’s Dissertation in Human Rights and Citzenship. Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, UnB, Brasília. http://repositorio2.unb.br/jspui/handle/10482/22791
SITO, L. (2010). Ali está a palavra deles: um estudo sobre práticas de letramento em uma comunidade quilombola do litoral do estado do Rio Grande do Sul. Master’s Dissertation in Applied Linguistics. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas. https://hdl.handle.net/20.500.12733/1612165
SOUZA, L. M. T. M. (2001). Para uma ecologia da escrita indígena: a escrita multimodal Kaxinawá. In: Signorini, I. (org.), Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 167-192.
SOUZA, S. T.; SILVEIRA, D. L. S. (2010). Migrantes nordestinas e escolarização em Ituiutaba-MG (anos 1950-1960). Revista HISTEDBR On-line, n. 40, p. 245-257. https://doi.org/10.20396/rho.v10i40.8639817
STREET, B. V. (1984). Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press.
STREET, B. V. (2014). Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação. Translated by Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial.
VERGNA, M. A. (2021). Concepções de letramento para o ensino da língua portuguesa em tempos de uso de artefatos digitais. Texto Livre, v. 14, n. 1, p. 1-16. https://doi.org/10.35699/1983-3652.2021.24366
XAVIER, J. S. (2020). O preconceito cultural e linguístico enraizado entre regiões do Brasil. Revista Scientia, Salvador, v. 5, n. 3, p. 44-58. https://revistas.uneb.br/index.php/scientia/article/view/8907
YANG, S. (2023). Literacy autobiographies from the global South: an autoethnographic study of English literacy in China. Abingdon, Oxon: Routledge.

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2025 Irando Alves Martins Neto