Resumo
Situado no campo da Linguística Aplicada contemporânea, este artigo tem como objetivo interpretar criticamente ideologias linguísticas (PINTO, 2013; MOITA-LOPES, 2013; GAL, 2023) mobilizadas nas controvérsias públicas online em torno da matéria jornalística “Há crianças portuguesas que só falam ‘brasileiro’”, publicada pelo jornal português Diário de Notícias, em novembro 2021. Para tanto, realizamos uma etnografia digital (BLOMMAERT, 2010; CIBORGA, 2022) de caráter não-participante, praticada entre junho e novembro de 2023, na página do veículo na rede social Facebook. As análises dos dados gerados no trabalho etnográfico nos permitem argumentar sobre uma intensa circulação de “ideologias linguísticas coloniais” nas práticas metalinguísticas analisadas no nexo online/offline. Em linhas gerais, essas ideologias atuam na afirmação do purismo linguístico nacionalista como política linguística de higienização racial e em dinâmicas de feminização e de sexualização de línguas e seus falantes como instâncias de uma corporificação linguística violenta. Esses processos apagam a invenção das línguas (MAKONI; PENNYCOOK, 2005) como tecnologia de dominação e de cristianização dos povos colonizados, uma vez que depreciam línguas, culturas e identidades dos povos brasileiros (GONZALEZ, 1984; MUNIZ, 2016) em função de uma suposta superioridade europeia, legitimando e atualizando discursos difusos da violência colonial, a contrapelo de imaginários assimilacionistas difundidos na retórica transnacional de que Brasil e Portugal seriam “países irmãos”.
Referências
AUTOR (2020a)
AUTOR (2020b)
ANDERSON, B. (2008). Comunidades imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras.
AUROUX, S. (2009). A revolução tecnológica da gramatização. 2.ed. Campinas: Ed. da Unicamp.
BAUMAN, R.; BRIGGS, C. L. (2006). Poética e performance como perspectivas críticas sobre a linguagem e a vida social. Ilha, Florianópolis, v. 8, p. 185-228.
BLOMMAERT, J. (2002). Discourse. Cambridge: Routledge.
BLOMMAERT, J. (2010). The sociolinguistics of globalization. Cambridge: Cambridge University Press.
BLOMMAERT, J. (2020). O discurso político em sociedades pós-digitais. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 59, n. 1, p. 390-403, jan./abr.
BUTLER, J. (1990). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
CAMERON, D. (1995). Verbal Hygiene. London and New York: Routledge.
COLETIVA CIBORGA. (2022). Etnografia digital: um guia para iniciantes nos estudos da linguagem em ambientes digitais. Goiânia: Cegraf UFG.
COLLINS, P. H. (2018). Pensamento feminista negro. São Paulo, Boitempo.
COSTA, A. P. (2021). Discurso de ódio e migração em Portugal. Casa do Brasil em Lisboa. Disponível em: https://l1nq.com/IGAdy . Acesso em: 19 de maio de 2024.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS (2021). Há crianças portuguesas que só falam brasileiro. Disponível em: https://www.dn.pt/sociedade/ha-criancas-portuguesas-que-so-falam-brasileiro-14292845.html Acesso: 10 nov. 2023.
ESPÍRITO SANTO, D. O.; SANTOS, K. B. (2018). A invenção do monolinguismo no Brasil: por uma orientação translíngue em aulas de “línguas”. Calidoscópio, v. 16, n. 1.
FABRÍCIO, B. F. (2013). A “outridade lusófona” em tempos de globalização: identidade cultural como potencial semiótico. In: MOITA LOPES, L. P. (org.). Português no século XXI: cenário político e sociolinguístico. São Paulo: Parábola. p. 144-168.
FABRÍCIO, B. F. (2020). Sociolinguística Interacional: perspectivas inspiradoras e desdobramentos contemporâneos. Rio de Janeiro: Mórula.
FACEBOOK. (2021). Há crianças portuguesas que só falam brasileiro. Diário de Notícias. Disponível em: https://www.facebook.com/DiariodeNoticias.pt/posts/pfbid02wBJiT6aMWqL85MHCJ2z8wZZfapcSdcUhDkwS2vBbhaMcEaZ4iDwa43TVTmEEJePFl . Acesso: 12 nov. 2023.
FANON, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA.
FREYRE, G. (2006). Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal; apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª ed., rev. São Paulo: Global.
GAL, S. (2023) Language Ideologies. Linguistics. Disponível em: https://doi.org/10.1093/acrefore/9780199384655.013.996 . Acesso em: 11 nov. 2023.
GOMES, N. L. (2012). Movimento Negro e Educação: Ressignificando e politizando a Raça. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, jul./set. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v33n120/05.pdf. Acesso em: 10 mai. 2024.
GONZALEZ, L. (1984). Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, p. 223-244.
HINE, C. (2000). Virtual Ethnography. London: Sage Publications.
HINE, C. (2009). How can qualitative internet researches define the boundaries of their projects? In: MARKHAM, Annette; BAYM, Nancy. (Eds.). Internet Inquiry: conversations about method, Sage: Londres, p. 1-20.
HINE, C. (2015). Ethnography for the Internet: Embedded, Embodied and Everyday. Londres/ New York: Bloomsbury.
hooks, b. (2008). Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 6, n. 3, p. 857-864.
HYMES, D. (1996). Ethnography, linguistics, narrative inequality. Toward an understanding of voice. New York: Taylor & Francis.
IRALA, V. (2004). Práticas discursivas sobre o espanhol através da comunicação mediada por computador: “la lengua mía, la lengua tuya, la lengua nuestra”. Pelotas, RS. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica de Pelotas, 150 p.
IRVINE, J. T. (1989). When talk isn’t cheap: language and political economy. American Ethnologist, v. 16, n. 2, p. 248-267.
IRVINE, J. T.; GAL, S. (2000). Language ideology and linguistic differentiation. In: KROSKRITY, Paul (ed.). Regimes of language: ideologies, polities, and identities. Santa Fe, NM: School of American Research Press. p. 35-83.
LUGONES, M. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, v. 22, p. 935-952, 2014.
MAKONI, S. (2004); MEINHOF, U. Western perspectives in applied linguistics in Africa. AILA Review, Amsterdam, v.17, p. 77-105.
MAKONI, S.; PENNYCOOK, A. (2005). Disinventing and (re) constitu- ting languages. Critical Inquiry in Language Studies, v. 2, n. 3, p. 137-156.
MALY, I. (2023). Digital economy and platform ideologies. Diggit Magazine. Disponível em: https://www.diggitmagazine.com/working-papers/digital-economy-platform-ideologies-influe ncer-culture. Acesso em: 20 set. 2023.
MBEMBE, A. (2014). Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona.
MIGNOLO, W D.; VEIGA, I B. (2021). Desobediência Epistêmica, Pensamento Independente e Liberdade Decolonial. Revista X, v. 16, n. 1, p. 24-53.
MIGNOLO, W. D. (2005). La idea de América Latina: La herida colonial y la opción de colonial. Barcelona, Gedisa, 241 p.
MOITA LOPES, L. P. (1994). Pesquisa interpretativista em lingüística aplicada: a linguagem como condição e solução. DELTA, v. 10 n. 2, 1994.
MOITA LOPES, L. P. (2006). (Org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola.
MOITA LOPES, L. P. (2013). (Org.). Português no século XXI: cenário político e sociolinguístico. São Paulo: Parábola.
MOITA LOPES, L. P.; FABRÍCIO, B. F. (2019). Por uma ‘proximidade crítica’ nos estudos em Linguística Aplicada. Calidoscópio, v. 17, n. 4, p. 711–723.
MUNANGA, K. (2003). Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB. 3., Rio de Janeiro, 2003. Anais... Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.geledes.org.br/wpcontent/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidadee-etnia.pdf . Acesso em: 10 abril. 2024.
MUNIZ, K. (2016). Ainda sobre a possibilidade de uma linguística crítica: performatividade, política e identificação racial no Brasil. DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, São Paulo, v. 32, n. 3, p. 767-786.
NASCIMENTO, G. (2019). Racismo linguístico: os subterrâneos da linguagem e do racismo. São Paulo: Letramento.
OLIVEIRA, D. P. (2018). Ideologias de linguagem acionadas por docentes indígenas em formação superior: tensões no espaço da diferença colonial. Dissertação de Mestrado em Letras e Linguística. Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás. Goiânia.
PINTO, J. P. (2013). Prefiguração identitária e hierarquias linguísticas na invenção do português. O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola, p. 120-143.
PINTO, J. P. (2015). De diferenças e hierarquias no quadro Adelaide às análises situadas e críticas na Linguística Aplicada. DELTA. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, v. 31, p. 199-221.
PINTO, J. P. (2018). Ideologias linguísticas e a instituição de hierarquias raciais. Revista da ABPN, Goiânia, v. 10, p. 704-720.
PRATT, M. L. (1991). Arts of the Contact Zone. Profession, p. 33-40.
QUIJANO, A. (1999). Colonialidad del poder, cultura y conocimiento en América Latina. Dispositio, v. 24, n. 51, p. 137-148.
QUINTAS, F. (2008). Sexo à Moda Patriarcal: o feminino e o masculino na obra de Gilberto Freyre. Brasil: Global.
ROSA, B.; MELO, G. C. V. (2024) Discursos de ódio: ser mulher negra nordestina residente no Rio de Janeiro. Signótica, v.36, e.76718, p. 1-30.
ROSA, J. (2019). Looking like a language, sounding like a race: raciolinguistic ideologies and the learning of Latinidad. New York: Oxford University Press, p. 125-176.
ROSA, J.; FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: Toward a raciolinguistic perspective. Language and Society, v. 46, n. 5, p. 621-647.
SEVERO, C.G. (2016). A invenção colonial das línguas da América. Alfa, v. 60, n. 1, p. 11-28.
SILVERSTEIN, M. (2003). Indexical order and the dialectics of sociolinguistic life. Language & Communication, v. 23, p. 193-229.
SILVESTREIN, M. (2003). Indexical order and dialetics of sociolinguistics life. Language & Comunication, v. 23, n. 3-4, p. 193-229.
VARIS, P. (2014). Digital Ethnography. Tilburg Papers in Culture Studies. Paper 104, ago.
VERONELLI, G. A.; DAITCH, S. L. (2021). Sobre a colonialidade da linguagem. Revista X, v. 16, n. 1, p. 80-100.

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2024 Danillo da Conceição Pereira Silva, Vitor Gabriel Caetano Alves