Resumo
Este artigo versa sobre a escuta interdisciplinar de Clarice, uma mulher – na sua condição de sujeito de direitos, de desejo e do laço social que vivencia a matrifocalidade atravessada pela violência. O percurso da pesquisa se desenvolveu sob o alicerce teórico da Teoria Social Crítica – na perspectiva do Serviço Social e da produção do sujeito – na interlocução com as premissas psicanalíticas. A organização do referencial teórico se pautou na narrativa interdisciplinar, que versou sobre o lócus institucional, nascedouro das angústias mobilizadoras da pesquisa, seguido da leitura crítica, histórica e social da mulher na sociedade, frente às transformações societárias e suas ressonâncias nos arranjos familiares. O método privilegiou a escuta sob a guisa psicanalítica, por meio de entrevista livre gravada e posteriormente transcrita, cujo acesso se deu por meio de uma instituição especializada, onde Clarice era assistida. A análise apontou para a relevância da escuta da subjetividade, em posição indispensável, articulada às intervenções sociais na rede de cuidado, proteção e garantia de direitos. Por fim, encontrou-se na escuta transformativa a potência de reinvenção do sujeito, articulada à primordial reafirmação de direitos desse segmento societário, fomentada na liberdade e justiça social, fazendo-se um encontro sensível e ousado, como possibilidade de fortalecimento do enfrentamento aos retrocessos degradantes no campo social contemporâneo.
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