Resumo
Este artigo tenta reconciliar representações opostas das mulheres Mebengokre segundo sua caracterização na literatura antropológica e nos meios de comunicação de massa - como impotentes ou muito poderosas. Desde aproximadamente uma década atrás, as feministas abandonaram a noção simplista da dominação universal das mulheres, substituindo-a por uma perspectiva mais sofisticada que resultou do entendimento de que tanto as mulheres como o contexto da sua vida cotidiana são multi-facetados. A noção de agency é um instrumento útil para reconsiderar a posição ocupada pelas mulheres na sociedade. É feita uma tentativa de analisar a construção social de gênero na sociedade Mebengokre. E questionada a validade da dicotomia clássica da antropologia referente aos Jê/Bororo, entre uma esfera pública, cerimonial e política monopolizada pelos homens e uma esfera feminina periférica, privada e doméstica. A sociedade Mebengokre é uma sociedade de casas no sentido Lévi-Straussiano. As pessoas pertencem à Casa, cada qual ocupando uma porção fixa no círculo da aldeia. Em suma, as Casas, que implicam em uma ideologia uterina, foram ignoradas por outros antropólogos. Reconhecidas como o traço fundamental da organização social, transformam nossa visão das mulheres Mebengokre.
Abstract
This article attemps to reconcile opposed views of Mebengokre women as they have been portrayed in the anthropological literature and in the mass media - as powerless or as mighty forces. In the last decade or so, feminists have abandoned the simplistic notion of the universal domination of women, replacing this with a more sophisticated perspective stemming from the realization that both women and the context of their daily lives are multifaceted. The notion of agency is a useful instrument for reconsidering the position occupied by women in society. An attempt is made to analyse the social construction of female gender in Mebengokre society. The validity of the classical anthropological Jê/Bororo dichotomy between a public, ceremonial and political sphere monopolized by men and a peripheral, private, domestic female sphere is called into question. Mebengokre society is a house-based society, in a Lévi-Straussian sense. People belong to their mother's House and all heritable prerogatives and wealth belong to Houses, each occupying a fixed portion of the village circle. In sum, Houses, entailing a uterine ideology have previously been
overlooked by anthropologists. Taken as the major feature of social organization, they alter our view of Mebengokre women.
Referências
BAMBERGER, J.: "The myth of matriarchy: why men rule in primitive society", IN In Women, Culture and Society. M. Rosaldo e L. Lamphere (orgs.). Stanford, University Press. 1974
BAMBERGER, J.: Environment and cultural classification:a study of the Northern Kayapó. Tese de doutorado, Universidade de Harvard. 1967. pp. 128.
BASAGLIA, F. Ongaro: "Mulher", IN Enciclopédia Einaudi (no 20): Parentesco. Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda. 1989
BOURDIEU, P.: Outline of a theory of practice. Cambridge, CUP. 1977
CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação): Povos Indígenas no Brasil 1987/88/89/90 Aconteceu Especial 18. São Paulo, CEDI. 1991.
CROCKER, W. e J.: The Canela: Bonding through kinship, ritual, and sex. Fort Worth, Holt, Rinehart and Winston. 1994.
CROCKER, W.H. "Extramarital Sexual Practices of the Ramkokamekra-Canela Indians: an analysis of socio-cultural factors", IN Native South Americans: Ethnology of the least known continent, P. Lyon (org.). Boston, Little, Brown & Co. 1974 (1964)
DA MATTA, R.: Um mundo dividido: a estrutura social dos índios Apinayé. Petrópolis, Vozes. 1976.
DESCOLA, P.: La Nature Doméstique. Paris, Ed. de la Maison des Sciences de l'Homme. 1986
DUMONT, L.: Homo hierarchicus. Paris, Gallimard. 1966 (1979)
EVANS-PRITCHARD: Witchcraft, oracles and magic among the Azande. Oxford, Clarendon Press. 1937 (1968)
Folha de S. Paulo "Menopausa é uma 'injustiça' natural", de José Aristodemo Pinotti, 17/1/94 e "Gravidez tardia tem debate ético machista", de Lúcia Cristina de Barros, 24/1/94.
FRANCHETTO, B.: " 'A vagina é cara e querida': Representações sobre o(s) sexo(s) e a sexualidade entre os Kuikúro (Karíbe do Alto Xingu, MS)." Trabalho apresentado à XIX Reunião da ABA. Niterói, Rio de Janeiro. 1994
FRANCHETTO, B.; HEILBORN, M.L. e CAVALCANTI, M.L.V.C.: "Antropologia e Feminismo", IN Perspectivas Antropológicas da Mulher (no 1). Rio de Janeiro, Zahar. 1980
GIDDENS, A.: The constitution of society. Cambridge:Polity. 1984.
GODELIER, M.: "Homem/Mulher", IN Enciclopédia Einaudi (no 20): Parentesco. Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda. 1989
GOMES, L. e SILBER, P.: "A explosão do instinto selvagem", IN Veja Ano 25 (no 24). 10/6/92
GREGOR, T.: Mehinaku. Chicago, University Press. 1977
GUERDES, P.: Cultura e o despertar do pensamento geométrico. Maputo, Instituto Superior Pedagógico. 1991
HÉRITIER, F.: "Família", IN Enciclopédia Einaudi (no 20): Parentesco. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda. 1989 (1979)
HÉRITIER, F.: L'exercise de la parenté. Paris, Gallimard Le Seuil. 1981, pp. 48-50
HERTZ, R.: "La préeminence de la main droite", IN Année Sociologique. 1907
LEA, V.: "Casas e casas Mebengokre (Jê)", IN Viveiros de Castro, E. e Carneiro da Cunha, M. (orgs.) Amazônia: Etnologia e História Indígena. São Paulo: NHII/USP/FAPESP. 1993.
LEA, V.: "Casa-se do outro lado: um sistema simulado de aliança referente aos Mebengokre (Jê)", IN Viveiros de Castro (org.) Estruturas Sociais Ameríndias: estudos da antropologia do parentesco. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ. No prelo
LEA, V.: "Mebengokre (Kayapó) onomastics: a facet of Houses as total social facts in Central Brazil", IN Man (Vol.27 no 1). 1992
LEA, V.: Nomes e nekrets: uma concepção de riqueza. Tese de doutoramento, PPGAS, Museu Nacional, Univ. Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). 1986.
LÉVI-STRAUSS, C.: "Histoire et ethnologie", IN Annales no 38. 1983
LÉVI-STRAUSS, C.: Paroles Données. Paris, Plon. 1984
MOREIRA, Memélia: "Etupro vira desculpa para racismo", IN Folha de S. Paulo. 15/8/93
MUKHOPADHYAY,C.C. e HIGGINS, P.J.: "Anthropological studies of women's status revisited: 1977-1987", IN Annual Review of Anthropology (no 17). 1988
Nacional, Univ. Federal de Rio de Janeiro (UFRJ). 1986
NIMUENDAJU, C.: The Eastern Timbira. Berkeley e Los Angeles, Univ. of California Press/ New York: Kraus Reprint Co. 1946 (1971).
SEEGER, A.: Nature and society in Central Brazil: the Suya Indians of Mato Grosso. Cambridge Mass., Harvard Univ. Press. 1981
SEEGER, A.: Os índios e nós. Rio de Janeiro, Campus. 1980
SISKIND, J.: To hunt in the morning. London, Oxford Univ. Press. 1973.
STRATHERN, M. (org.): Dealing with inequality: analysing gender relations in Melanesia and beyond. Cambridge, CUP. 1987
TURNER, T.: Social structure and political organization among the Northern Kayapó. Tese de doutorado, Harvard University. 1966
VIDAL, L. (Org.).: Grafismo Indígena. São Paulo, Nobel/FAPESP/EDUSP. 1992.
VIDAL, L.: "A mulher indígena Kayapó" IN Mensageiro (no 63, abril/maio/junho). Publicação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Bélem. 1990
VIDAL, L.: Morte e vida de uma sociedade indígena brasileira. São Paulo, Hucitec. 1977. pp. 166.
VIVEIROS DE CASTRO, E.: "A fabricação do corpo na sociedade Xinguana", IN Boletim do Museu Nacional NS 32. 1978.
VIVEIROS DE CASTRO, E.: "Alguns aspectos da afinidade no dravidianato amazônico", IN Viveiros de Castro e Carneiro da Cunha (orgs.) Amazônia etnologia e história indígena. São Paulo, EDUSP. 1993
VIVEIROS DE CASTRO, E.: Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro, Zahar/ANPOCS. 1986.
WASHBURN, D.K. e CROWE, D.W.: Symmetries of Culture: Theory and Practice of Plane Pattern Analysis. Seattle, University of Washington Press. 1988
WERNER, D.: "Mulheres Solteiras entre os Mekranotí-Kayapo", IN Anuário Antropológico. 1983
WERNER, D.: "Paid sex specialists among the Mekranoti", IN Journal of Anthropological Research (Vol.40 no 3). 1985