Resumo
No artigo aborda-se o longa-metragem, de ficção, “Marcados para viver”, da cineasta brasileira Maria do Rosário Nascimento e Silva (1949-2010), lançado em 1976. Este filme inova, entre outros aspectos, ao ser protagonizado por uma personagem cujas identidades, sexual e de gênero, não se fixam na lógica binária masculino/feminino. Parte-se da perspectiva de Alison Butler sobre o que considera o cinema de mulheres como “cinema menor” e, em que a condição de marginal, de periférico ou de minoritário lhe engendra a potência criativa de inventar outros espaços, outras consciências e sensibilidades. Complementa-se, em outra chave, com os apontamentos de Patrícia White sobre o “cinema menor lesbiano”. A denominação “cinema de mulheres”, muito utilizada nos anos 1970, inclusive no Brasil, para se referir a filmes realizados por mulheres, constitui, na teoria feminista, designação eminentemente política para demarcar o campo e determinados sujeitos, não configurando qualquer defesa essencialista da categoria “mulheres”. Neste artigo, analisa-se o primeiro filme ficcional brasileiro, realizado por uma mulher, a levar para as telas uma personagem lésbica, destacando sua recepção na imprensa brasileira e na censura à época do lançamento.
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