Resumo
O presente ensaio busca produzir uma reflexão sobre o humor em torno da peça Fim de Partida, de Samuel Beckett. A hipótese a ser explorada é a de que nela são colocados em questão diversos de seus procedimentos de forma altamente destrutiva, e a significação retroativa que seus destroços passam a ter adquirido nesse processo podem ser extrapolados de modo a produzir um pequeno vislumbre, de dentro da própria peça, sobre seu estatuto de obra de arte. Para tanto, faz-se uso principalmente da teoria freudiana do Witz, investigando a forma como Fim de Partida se relaciona a cada uma das categorias postuladas por Freud: o esvaziamento quase absoluto dos personagens impossibilita a descarga de riso proporcionada pelo Witz propriamente dito, revertendo-se em uma espécie de espasmo; a relação de superioridade estabelecida no cômico se encontra paradoxalmente subvertida na relação da peça com a tradição, que, por meio da paródia, surge em cena com a máxima força; por fim, o distanciamento que caracteriza a concepção freudiana do humor se encontra totalmente desvirtuado, simultaneamente servindo como forma de neutralização das reações dos personagens – e mesmo da platéia – e como proteção última da peça contra a própria realidade, materializando-se como a quarta parede que separa a ação dos espectadores. O resultado desse processo tem como horizonte a redução de todos os elementos de Fim de Partida, como afirma Adorno (1985), a “lixo cultural”, sendo o humor incapaz de fazer frente à desolação de um mundo em ruínas.
Referências
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Artigo do jornal satírico The Onion: http://www.theonion.com/articles/scholars-discover-23-blank-pages-that-may-aswell,1946/ (acessado em 21/01/2011)
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