Resumo
Numa conhecida passagem de No caminho de Swann, o narrador em primeira pessoa, recolhido ao conforto do quarto para mergulhar na leitura, tem sua atenção momentaneamente desviada pelo ruído obsedante das moscas, que até então fazia as vezes de pano de fundo à sua atividade principal. Num trecho que parece tentar justificar ou no mínimo racionalizar certa sensação de inércia – responsável por privar Marcel de ver com os próprios olhos o espetáculo da natureza –, o detalhe em aparência arbitrário e até irritante é convertido na sequência do raciocínio em inesperada sinopse do mundo exterior, num volteio onde a intimação totalizadora das impressões óticas parece perder gradualmente força diante da discreta obliquidade do ruído em surdina, monumentalizado por Proust na bela metáfora da “música de câmera do verão”.
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