Resumo
A autoria enquanto fenômeno histórico é construída por estratégias internas e externas ao texto literário. Ao ser tematizada no interior da narrativa enquanto gesto em ação, a autoria ficcional encena as expectativas e modelos em circulação, funcionando como ajuste ou confirmação de ideias acerca da produção literária. Neste artigo, recuperamos alguns momentos da literatura brasileira em que o narrador é o autor suposto e discorre, portanto, sobre o processo de composição do livro que estamos lendo. Do início do século XX, retomamos Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), de Lima Barreto, São Bernardo (1934), de Graciliano Ramos, e O amanuense Belmiro (1937), de Cyro dos Anjos; como marco para a literatura contemporânea, examinamos o romance Em liberdade (1981), de Silviano Santiago; e, por fim, investigamos dois romances de autoria feminina, Azul e dura (2002), de Beatriz Bracher, e Nada a dizer (2010), de Elvira Vigna. Mais que narrativas em primeira pessoa, a maioria dessas obras traz a forma do diário ficcional, encenando, então, o gesto de escrita relacionado a questões como sinceridade, intimidade e espontaneidade.
Referências
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