Plurais em Kaiowá e o caso de implicaturas obrigatórias

Resumo

O foco deste artigo é a marcação nominal opcional de número em Kaiowá (Tupí-Guaraní), expressa pela afixação, em posição pós-nominal, de -kuera, um elemento que, conforme defendemos, é um morfema que pertence ao sistema central de concordância de número da língua. Com base no exame de dados linguísticos originais, demonstramos a ampla ocorrência desse morfema na língua, que não se restringe a contextos definidos, sendo frequente também em contextos indefinidos, genéricos e com nomes que denotam espécie. Além disso, notamos em uma análise preliminar que -kuera também pode funcionar como morfema de plural associativo. De uma perspectiva teórica formal, nosso objetivo é estender aos fatos do Kaiowá uma proposta que trata a leitura “mais de um” / “pelo menos dois”, expressa pela marcação manifesta do marcador de plural, como sendo derivada de uma implicatura (cf. SPECTOR 2007). Tal proposta requer que sejam levadas em consideração alternativas (cf. FĂLĂUŞ 2013) semanticamente ativadas, porém não realizadas morfologicamente. Assim, embora a função singular não esteja disponível na morfologia da língua, ela pode ser ativada na semântica como uma alternativa para uma construção em que -kuera está presente. Defendemos, portanto, que esse morfema, opcional, funciona na língua como um “ativador de alternativas” e, uma vez que uma alternativa é ativada, a implicatura escalar passa a ser obrigatória (cf. CHIERCHIA 2006). As duas leituras em competição, isto é, de plural vs. singular, constituem o conjunto de alternativas escalares que pode ser formalizado como kuera^ALT = {lP: *P = P.P, lP: AT(P) = P.P}