Resumo
O artigo analisa o último romance de Campos de Carvalho, O púcaro búlgaro (1964), por meio das noções de viagem e inexistência. E procura mostrar algumas consequências críticas e narrativas do impasse entre a promessa de uma “expedição ao fabuloso reino da Bulgária” – feita pelo narrador logo de saída com a eloquência de um viajante tarimbado – e seu constante adiamento ao longo do romance. Por meio de um estilo na maioria das vezes inexato e fabuloso, sempre verborrágico e exagerado, o narrador dessa expedição torna-se complexo não por dominar o assunto que supostamente é objeto de seu interesse (o púcaro búlgaro) e sim porque, ao contrário, ele gira no vazio. E nesse giro só pode “devanear sobre o nada”, como ele próprio diz, enquanto não atina para a razão de escrever o diário. Tal impasse, de um lado, dialoga de modo crítico e irônico com certa tradição dos relatos de viagem à medida que se apropria de alguns dos seus pressupostos, como a confiabilidade do narrador e a obsessão pelas classificações, para fazer deles objeto de piada; de outro, na tentativa de realizar um romance altamente experimental, toma de empréstimo o princípio que Breton formula no “Manifesto do surrealismo”, segundo o qual a “existência está em outro lugar”, ou seja, na Bulgária, que não existe. Desse modo, o romance de Campos de Carvalho poderia ser pensado como uma experiência de desarme da nossa maneira de ler os relatos de viagem nacionais, ao mimetizar tais narradores e expor – ao ridículo – os seus limites. É a hipótese que se propõe.
Referências
BRETON, André. Manifesto do surrealismo. In: TELES, Gilberto Mendonça (Org.). Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1978, pp. 168-202.
CANDIDO, Antônio. Oswald viajante. In: O observador literário. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008, pp. 97-101.
CARVALHO, Campos de. O púcaro búlgaro. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
CARVALHO, Campos de. A lua vem da Ásia. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
RANCIÈRE, Jacques. Políticas da escrita. Trad. Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
SUSSEKIND, Flora. O Brasil não é longe daqui. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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