Resumo
Este artigo examina pontualmente o tratamento que Lispector dedica ao “it”, pronome que, em Água viva, ela utiliza para paradoxalmente nomear o inominável. Este exame pontual da obra de contestada classificação de Lispector, aproxima o “it” do conceito de “sobrenatureza”, tal como contemporaneamente entendido, em particular pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e pelo filósofo Marco Antonio Valentim. Desse modo, vemos como a escrita de Lispector cultiva o inefável enquanto tal, investindo no “espaço-entre”, assim evitando cristalizar formas e linearizar as metamorfoses. Ao cultivar um outro espaço e um outro tempo, a autora inventa um espaço sobrenatural, que não pertence à natureza, nem à cultura – o “it”. Além de explorar o texto de Lispector, é propósito deste artigo iluminar o conceito de “sobrenatureza”, ressaltando suas contribuições para a superação da oposição natureza/cultura, que fundamenta o pensamento ocidental moderno.
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