Identidade editorial na construção consolidada dos periódicos científicos na Universidade
Por Gildenir Carolino Santos
e Denis Márcio Rodrigues Júnior
Acreditamos que a revolução digital é uma das maiores transformações da história humana. Ao contrário de outras revoluções de grande impacto, ela não influi mais fortemente em um grupo ou região específica, não tem implicações apenas econômicas ou políticas, mas possui um caráter global e, além de sua presença massiva e atualmente indispensável em qualquer ramificação governamental, também gera mudanças culturais nos costumes mais cotidianos. Deixando de lado os excluídos digitais neste momento, a influência das novas tecnologias no século 21 é quase onipresente.
Na pesquisa acadêmica não é diferente: a Internet oferece novas formas de pesquisa, produção e divulgação do conhecimento científico. Tradicionalmente, a pesquisa já é uma atividade bastante autônoma e a rede oferece ferramentas que contribuem para uma virtualização ainda maior desta área de trabalho. Conforme o já clássico texto de Pierre Lévy, “O que é o virtual?”, as novas tecnologias problematizam as coordenadas espaço-temporais. Essas ferramentas geram novas questões, ao mesmo tempo em que facilitam muito o fazer da ciência: acadêmicos podem divulgar suas pesquisas e consultar a de seus pares muito mais rapidamente, podem acessar arquivos, documentos, fontes digitalizadas sem a necessidade de deslocação, podem se comunicar com colegas em grupos de trabalho virtuais, etc.
No centro dessas questões se encontram os periódicos eletrônicos. Criado com o objetivo de complementar o livro como uma opção mais rápida, o periódico tem sido um instrumento de divulgação científica desde o século 17, quando foram criados os primeiros periódicos científicos no mundo[1].
O periódico possibilita a divulgação regular, especializada e qualificada, através de revisão de pares, do conhecimento produzido nos meios universitários. A partir dos anos de 1990, ele foi fortemente impactado pela popularização da Internet, que possibilita a realização de seu tradicional papel de divulgação de forma ainda mais fácil e veloz.
Periódicos impressos ainda estão presentes e provavelmente permanecerão por um bom tempo, mas todo o processo de envio, seleção, revisão e editoração dos artigos é feito eletronicamente, e a maioria oferece versões on-line. Ao mesmo tempo, periódicos científicos exclusivamente eletrônicos surgem todos os anos em todo o mundo em uma quantidade cada vez maior.
O Open Journal Systems (OJS), software muito utilizado para a gestão do fluxo editorial de periódicos eletrônicos, tem em seu site uma tabela com o número de periódicos utilizado anualmente em todo o mundo, com foco maior para América Latina e Caribe:
Figura 1. Gráfico representativo da utilização do OJS no mundo
Além disso, com a entrada do sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação da Capes, que estratifica os periódicos em classes de qualificação, o Qualis, que possibilitou apresentar uma qualificação por meio de uma estratificação com notas diferenciadas, muitos editores passaram a qualificar seus periódicos nos programas de pós-graduação. O mesmo tem sido feito por editores independentes que criaram seus periódicos no interior das universidades, mas que continuam com as publicações foras delas.
O mesmo aumento, embora em menor escala, pode ser verificado no Portal de Periódicos Eletrônicos Científicos (PPEC) da UNICAMP, que, desde seu lançamento até o presente momento, vem apresentando um crescimento em grande proporção em relação às visualizações (acessos) e downloads realizados nos artigos de sua coleção, hoje contemplada com 29 títulos de periódicos das diversas áreas do conhecimento humano.
Figura 2. Dados de acesso e downloads do PPEC/UNICAMP
Como se vê, o crescimento é constante e nada indica desaceleração. Desta forma, a experiência do PPEC foi bastante positiva na tramitação e realização de várias atividades que demonstram a necessidade da identidade editorial e de conhecimentos para a construção progressiva dos periódicos científicos no interior da Universidade, precisamente em um setor dedicado a esse tipo de atividade.
Na prática, trabalhar num Portal de Periódicos é, em primeiro lugar, um excelente aprendizado, já que permite operar ferramentas cada vez mais presentes e importantes no ambiente acadêmico, tal como o próprio OJS, o Digital Object Identifier, mais conhecido como DOI, que é um identificador persistente de documentos na Internet, e o ORCID, identificador persistente para autores que auxiliam na recuperação da informação periódica também na Internet.
Tais ações permitem a esse setor (PPEC) a oportunidade de refletir sobre as questões teóricas levantadas nos cursos de editoração eletrônica e na profissionalização de tarefas, antes destacadas apenas como sendo manuais, e hoje voltadas totalmente para o meio eletrônico. Vale reforçar que os periódicos eletrônicos possibilitam o acesso fácil e gratuito à produção acadêmica, de acordo com os princípios da unidade, assumindo um papel central na divulgação e preservação da produção acadêmica, em completo alinhamento com as tendências do novo século.
Como dito anteriormente, existem várias formas de recuperação da informação periódica na Internet, mas não de maneira eficiente, como, por exemplo, através de um identificador persistente de objeto. O DOI é um identificador que possibilita serviços de caráter complementar, de forma que seus metadados permitem referenciar planos de identificação.
De acordo com Brito et al (2015, p.9):
O DOI é um sistema que engloba diferentes subsistemas para o depósito de metadados De forma direta, consiste em um par composto por identificador e metadados, de forma que estes podem ser recuperados a partir do identificador. Trata-se de um identificador persistente, único e publicado que gestores de conteúdo vinculam a objetos físicos ou digitais, o que possibilita ofertar serviços e garantir a propriedade intelectual, principalmente para objetos digitais disponíveis na Internet.
Constituindo uma das atividades do PPEC, o processo de atribuição e controle do DOI nos periódicos de sua coleção, objetiva garantir a sua identificação persistente na Internet para efeito da busca e recuperação dos metadados qualificados, bem como a visibilidade da produção acadêmica gerada nesse processo.
Vale lembrar que o DOI não deve substituir sistemas de identificação como o International Standard Serial Number (ISSN), usado nas publicações seriadas. O objetivo dele é oferecer serviços complementares. Os metadados obtidos a partir de determinado DOI podem, por exemplo, referenciar os esquemas de identificação existentes. A partir desse identificador podem ser buscadas informações e acionados serviços associados a determinado objeto. Ou seja, partindo do DOI, é possível recuperar os metadados atualizados, como sua localização na Internet, seus autores ou quantidade de publicações que fazem referência à entidade associada ao DOI. (INTERNATIONAL DOI FOUNDATION, 2017).
A resolução de um nome DOI pode incluir a resolução para os valores associados, tais como a localização (URL), um endereço de e-mail, outro nome DOI e metadados descritivos. A referência pode ser de vários tipos, e eles nem sempre são diretamente acessíveis no formato de um arquivo digital ou outra manifestação. Ou seja, a resolução poderá ou não retornar uma instância do objeto, e pode envolver uma ou mais operações de mapeamento intermediário. (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION, 2012).
No PPEC, a constituição do DOI para os periódicos, utilizando a plataforma OJS, se dá da seguinte maneira:
Figura 3. Constituição da estrutura do DOI no PPEC/UNICAMP
Em relação ao segundo identificador para autores e pesquisadores, o ORCID ID, sigla de Open Research and Contributors Identification, trata-se um código único alfanumérico de 16 caracteres, fornecido a cada pesquisador (autor) cadastrado.
O ORCID fornece um identificador digital persistente que o diferencia de qualquer outro pesquisador e, através da integração em fluxos de trabalho de pesquisa chave, como manuscritos e solicitações de bolsas, suporta a conexão automática entre o pesquisador e as suas atividades profissionais, garantindo que seu trabalho seja reconhecido. (ORCID, 2017).
Assim como a USP, UNESP e o próprio Currículo Lattes (CNPq/Capes), a UNICAMP está integrada à ORCID, e, por meio desse sistema, poderemos realizar a integração gradativa junto a outros sistemas e plataformas, como o catálogo bibliográfico, o repositório institucional, o sistema de fichas catalográficas, e o próprio PPEC, que é o primeiro portal de periódicos do país e já integrado às plataformas acima mencionadas e utilizado na Universidade para a padronização e recuperação de dados de autor, conforme a apresentação da figura abaixo:
Figura 4. Ilustração dos sistemas e plataformas da UNICAMP que estão integrando à ORCID
Concluímos com isso que parte das funções de um professor/pesquisador, ou até mesmo de um funcionário administrativo que assuma a identidade editorial em qualquer área do ensino superior, demanda atualmente uma atuação como um editor científico. Seja gestando um periódico de seu grupo de estudos, seja como parecerista ou membro do corpo editorial científico de sua área de conhecimento, ele precisa saber lidar com tais ferramentas e ter um conhecimento especializado ou genérico para essa atuação. Por esse motivo, a desenvoltura nesse meio por parte de um pesquisador ou qualquer outro ente acadêmico não é mais uma opção, mas uma realidade.
REFERÊNCIAS
BÉGAULT, Béatrice. O periódico científico, um papel para a mediação de informação entre pesquisadores: qual seu futuro no ambiente digital?. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 3, n. 3, sep. 2009. ISSN 1981-6278. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/796>>. Acesso em: 8 dez. 2016.
BRITO, Ronnie Fagundes de et al. Guia do usuário do Digital Object Identifier. Brasília : Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, 2015. 62 p. ISBN: 978-85-7013-113-3. Disponível em: <http://www.abecbrasil.org.br/arquivos/Guia_usuario_DOI-online3.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2017.
INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 26324:2012: Information and documentation — Digital object identifier system. 2012. Disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui/#iso:std:iso:26324:edISO1:v1:en>. Acesso em: 15 abr. 2017.
LÉVY, Pierre. Introdução. In: ______. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1999. p.11-15, Cap. 1.
ORCID. Disponível em: <https://orcid.org/>. Acesso em: 29 jun. 2017.
RODRIGUES, Denis. O acadêmico também é um editor de periódico. 2016. Vertigem virutal Blog. Disponível em: <https://vertigemvirtualblog.wordpress.comVertigem Virtual
2016/12/16/o-academico-e-tambem-um-editor-de-periodicos/>. Acesso em: 29 jun. 2017.
[1] Ainda em 1665 são localizados os primeiros periódicos na França (Journal des Sçavans) e na Inglaterra (Philosophical Transactions).