Resumo
Este artigo descreve algumas propriedades textuais do álbum de canções sob um ponto de vista semiótico, visando sobretudo demonstrar em que medida a canção enquanto faixa constitui um objeto de análise distinto da canção tomada isoladamente. Primeiramente, apontam-se fazeres enunciativos que caracterizam o álbum (notadamente a seleção e o sequenciamento de faixas) e que indiciam a tensão existente entre, de um lado, a autonomia textual das faixas e, de outro, o senso de unidade do álbum. Em seguida, evoca-se a concepção de análise segundo Louis Hjelmslev a fim de se estabelecerem critérios para a descrição das relações entre determinada totalidade (classe) e suas partes (componentes). Essas reflexões servem de base para uma descrição de “É doce morrer no mar” enquanto componente da classe Canções praieiras, primeiro álbum lançado por Dorival Caymmi. Verifica-se que as influências entre as duas instâncias se dão em via dupla: enquanto a canção dá voz ao sujeito mulher praieira, que se expressa a si mesmo em seu estado resignado, o conjunto de faixas, manifestando os valores da coletividade praieira, instaura um sentido profundo de suficiência que justifica tal estado. Assim, mesmo se atendo apenas à descrição de seu nível verbal, vê-se que o corpus em questão ilustra a relação de interdependência entre álbum e faixas na geração de sentidos próprios a essa totalidade textual.
Referências
ACEITAÇÃO. Grande dicionário Houaiss, 2017. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br. Acesso em: 3 ago. 2017.
BADIR, Sémir. Figures épistémologiques de la fragmentation. In: Des écritures fragmentaires. Question d’énonciation. Congrès de l’Association Française de Sémiotique. Lyon, 2-4 dez. 2010. 2011. Lyon. Disponível em: http://hdl.handle.net/2268/170311. Acesso em: 13 abr. 2019.
BUARQUE, Chico. Construção. Rio de Janeiro: Philips, 1971. 33 ⅓ rpm, microssulco, estéreo. 33340-1.
CAYMMI, Dorival. Canções praieiras. Rio de Janeiro: Odeon, 1954. 33 ⅓ rpm, microssulco, estéreo. 3.004.
FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2016.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2016.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. J. Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 1975.
LEMOS, Carolina Lindenberg. Condições semióticas da repetição. 2015. Tese (Doutorado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.
LEMOS, Carolina Lindenberg. O percurso na circularidade: estudo da emoção na letra, na música e na voz, Todas as letras, São Paulo, v. 25, n. 2, ago. 2023 (no prelo).
MAFRA, Matheus Henrique. Um álbum de canções: reflexões semióticas sobre Canções Praieiras. 2019. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Linguística Geral) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
MAMMÌ, Lorenzo. A era do disco, Piauí, n. 89. São Paulo: Abril, 2014.
MOLINA, Sidney. O violão na era do disco: interpretação e desleitura na arte de Julian Bream. 2006. 335f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) - Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2006.
MOLINA, Sergio. Música de montagem: a composição de música popular no pós-1967. São Paulo: É Realizações, 2017.
O'HAGAN, Steve; BARBOUR, Hamish. When albums ruled the world [Filme-Vídeo]. Produção de Hamish Barbour, direção de Steve O'Hagan. Londres, BBC Four, 2013. 90 min. color. Son.
REGINA, Elis; JOBIM, Tom. Elis & Tom. Rio de Janeiro: Philips, 1974. 33 ⅓ rpm, microssulco, estéreo. 6349112.
RESIGNAÇÃO. Grande dicionário Houaiss, 2017. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br. Acesso em: 3 ago. 2017.
SARAIVA, José Américo Bezerra. A identidade de um percurso e o percurso de uma identidade: um estudo semiótica das canções do Pessoal do Ceará. Fortaleza: Edufc, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/10239/3/2013_liv_jabsaraiva.pdf. Acesso em: 14 jul. 2022.
TATIT, Luiz. O século da canção. São Paulo: Ateliê, 2004.
ZILBERBERG, Claude. Elementos de semiótica tensiva. Tradução de Ivã Carlos Lopes, Luiz Tatit e Waldir Beividas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.
ZILBERBERG, Claude. La structure tensive suivi de Note sur la structure des paradigmes et de Sur la dualité de la poétique. Liège: PULg, 2012.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.
Copyright (c) 2023 Cadernos de Estudos Linguísticos