Resumo
Face à amplitude das perdas coletivas que envolvem os mortos pela pandemia de SARS-CoV-2, este ensaio busca problematizar versões do luto decorrentes das teorias psicanalíticas, em um trajeto de leitura da obra Luto e melancolia, de Sigmund Freud, trazendo à baila críticas realizadas por Allouch (2004). Sustentado em Lacan ([1958/1959] 2002), percorre-se um trilhamento sobre a problemática do luto subjacente à tragédia de Hamlet como tragédia do desejo, posto que articulada à constituição do sujeito, e enfatiza-se a importância dos ritos fúnebres, na tentativa de lançar alguns elementos que possibilitem compreender a elaboração do luto no horizonte de uma perda seca, perda essa amplificada pela pandemia. Trata-se de recolocar no campo social a função do público no luto, conforme Allouch (2004), e destacar o lugar dos rituais para restituir um campo mínimo de significantes que possam, referidos ao campo do Outro, circular o furo no real, permitindo ao sujeito localizar-se e poder dar valor e sentido à sua experiência de dor, articulando um apelo que o tire do impasse e conceda lugar ao ato sacrificial que ponha fim ao luto.
Referências
AIRES, S. Um psicanalista na pólis. Seminário das Formações Clínicas do Fórum do Campo Lacaniano Salvador, junho de 2020. Disponível em: https://www.academia.edu/43314823/AIRES2020_Um_psicanalista_na_p%C3%B3lis. Acesso em: 02/02/2021.
ARIÈS, P. O homem diante da morte. Trad. Luíza Ribeiro. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
ALLOUCH, J. [1995]. Erótica do luto no tempo da morte seca. Trad.: Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2004.
ALLOUCH, J. Le deuil, aujourd’hui. Cliniques méditerranéennes, n. 76, p. 7-17, 2007. Disponível em: http://www.jeanallouch.com/document/190/2007-le-deuil-aujourd-hui.html. Acesso em: 13 maio. 2020.
American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Trad.: Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5 ed. Dados eletrônicos. Porto Alegre-RS, Artmed, 2014.
AUGÉ, M. L’Anthropologie de la maladie. In: L’Homme, v.26, n°97-98, p. 81-90, 1986. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/hom_0439-4216_1986_num_26_97_368675. Acesso em: 28/07/2020.
BALDINI, L. J. S. Luto, discurso e história. In/ GRIGOLETTO, E.; DE NARDI, F. S.; SOBRINHO, H. F. S. Imaginário, sujeito, representações. Recife: Ed. UFPE, 2018, p. 26-34.
BALDINI, L. J. S. Luto, linguagem e história: quando os mortos não estão a salvo. In: Luto, sujeito, história. II Encontro de Pesquisa e Estudo em Análise de Discurso, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eu8dJ9QjOsg&feature=youtu.be. Acesso em: 28/07/2020.
BALDINI, L. J. S.; NASCIMENTO, E. M. “Esse verso é um pouquinho de uma vida inteira...”: os inumeráveis e a morte inominável. Revista Linguasagem, São Carlos, v. 37, Número Temático, p. 67-90, janeiro, 2021.
BARTHES, R. Diário de luto. Lisboa: Edições 70, LDA, 2011.
BOCCHI, A. F. A. Luto e ética trágica em tempos de pandemia. In: GALLI, F. C. S.; BIZIAK, J. S.; ZOPPI-FONTANA, M. G. (Orgs.) O não-sentido como espaço de (r)existências: processos de subjetivação na pandemia. 1ed. São Carlos: Pedro & João Editores, 2020, p. 21-34.
DUNKER, C. I. L. Teoria do luto em Psicanálise. Pluralidades em Saúde Mental. Curitiba, v. 8, n. 2, p. 28-42, jul./dez. 2019.
FREUD, S. Luto e melancolia. Trad.: Marilene Carone. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
FREUD, S (1915/2010). Considerações atuais sobre a guerra e a morte. In: Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1917). Trad. Paulo C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.
GORER, G. Death, grief and mourning: a study of contemporary society. Garden City, New York: Anchor books, 1967.
KEHL, M. R. Melancolia e Criação. In: FREUD, S. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
LACAN, J. [1958-1959]. O seminário, livro 6: o desejo e sua interpretação. Trad.: Claudia Berliner. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
LACAN, J. [1960]. Subversão do sujeito e dialética do desejo. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 807-842.
OE, Kenzaburo. 14 contos de Kenzaburo Oe. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
ROSA, J. G. Campo Geral. In: Manuelzão e Miguilim (Corpo de baile). 11. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 27-152.
ROSA, M. D. ; BERTA, S. L. ; CAROGNATO, T. T. ; ALENCAR, S. A condição errante do desejo: os imigrantes, migrantes, refugiados e a prática psicanalítica clínico-política. Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 3, p. 497-511, setembro, 2009.
SOLER, C. Trauma e fantasia. Stylus: Revista de Psicanálise, Rio de Janeiro, n. 9, p. 45-59, out. 2004.
TELES, E. A pandemia e o governo dos corpos. Revista Cult. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/pandemia-e-o-governo-dos-corpos/. Acesso em: 02/02/2021.
YANCY, G. Judith Butler: o luto é um ato político em meio à pandemia e suas disparidades. Carta Capital, maio de 2020. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Judith-Butler-O-luto-e-um-ato-politico-em-meio-a-pandemia-e-suas-disparidades/6/47390. Acesso em: 28/07/2020.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.
Copyright (c) 2021 Cadernos de Estudos Linguísticos