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Chamada para o Dossiê Temático: Linguagem, Decolonialidade e Sustentabilidade: Decolonizando Teorias e Práticas em Tempos de Devastação

Linguagem, Decolonialidade e Sustentabilidade:  Decolonizando Teorias e Práticas em Tempos de Devastação

 

Cláudia Hilsdorf Rocha (Universidade Estadual de Campinas, Brasil)

Simone Hashiguti (Universidade Estadual de Campinas, Brasil)

Edina Krompák (Universidade de Educação Docente Lucerne, Suíça)

 

A linguagem é uma ferramenta poderosa para a criação de um mundo melhor (UNESCO MGIEP, 2017, p 158). Neste sentido, as práticas linguísticas, em uma perspectiva decolonial, podem promover transformação social e nutrir possibilidades para a insurgência de maneiras mais pacíficas, justas e sustentáveis de coabitação neste planeta.

Durante muitas décadas, temos enfrentado uma devastação planetária descontrolada. As políticas, discursos e práticas capitalistas e neoliberais têm promovido a destruição em massa no sentido social, cultural, político, econômico e ambiental. Essa destruição massiva provocada pelo homem resulta da matriz colonial de poder em que emergiu a subjetividade ocidental-moderna, fortemente marcada por um ideal de racionalidade, progresso e desenvolvimento. O sujeito moderno existe como um indivíduo que está subordinado a categorias de identificação coloniais e hierárquicas, a partir das quais tem de se esforçar para ter sucesso e sobreviver.

Neste contexto, perdemos a capacidade de pensar coletivamente, de nos conectarmos com o planeta e com todos os seres que estão implicados com a vida nele e fora dele (Krenak, 2020). Se existe uma forma de enfrentar e ajudar a minimizar essa crise planetária, ela deverá provavelmente advir da interrupção da mentalidade pautada pela modernidade/racionalidade e da ruptura com o capitalismo selvagem. As mudanças seriam então alimentadas por transformações reais e profundas, e implicariam olhar para o nosso interior, para que possamos construir novas concepções do que é ser humano e de como podemos abrir caminhos para um futuro ancestral (Krenak, 2022). Em outras palavras, somos agora, mais do que nunca, desafiados a romper com uma mentalidade egocêntrica (Silva, 2021) e a reconhecer que a humanidade, se é que tal conceito possa ser sustentado, é algo inerentemente ligado a todos os outros seres do planeta, muitos dos quais foram deixados de lado em nome do desenvolvimento.

Para continuar a habitar este planeta a partir de uma perspectiva mais pacífica, justa e sustentável, é passada a hora de enfrentarmos a orientação antropocêntrica a fim de resistir ao silenciamento e à morte de epistemologias não eurocêntricas. É também urgente que lutemos contra os mecanismos promotores de toda a espécie de privação, de esgotamento total dos organismos naturais, de destruição massiva (Silva, 2021). Tal movimento envolveria também a nossa luta pela sustentabilidade econômica, social e ambiental (Silva, 2021, Fuence, 2022, Barbas-Rhoden, 2022). Esse movimento de resistência e transformação englobaria, ainda, nosso engajamento em programas e ações educacionais e linguísticas capazes de desafiar a injustiça social e linguística, além de outros epistemicídios e linguicídios. Como argumentaria Krenak (2022), sobreviver em nossos tempos exige genuíno compromisso perante a criação de cartografias alternativas, tão ricas em termos de pluralidade que tornam obsoleta a disputa por histórias fundacionais.

Nesses termos, acreditamos que a insurgência, a mudança, a reconstituição epistemológica, a libertação intercultural e teórica, a desobediência são exemplos potentes de proposições decoloniais assertivas em favor da vida e da sustentabilidade.

As referências para alimentar a insurgência de um envolvimento mais amplo no combate às forças neoliberais (Krenak, 2020, 2022) podem vir de movimentos sociais de resistência, de filosofias e conhecimentos periferizados ou raramente cobertos por cânones, de coletivos e corpos minoritários e silenciados, de epistemes da tradição oral. Da mesma forma, com eles, tomamos consciência de como funcionam os discursos nefastos do capitalismo (Chun, 2017) e como certos conceitos e construções teóricas criadas pela filosofia ocidental, as ciências modernas, originam-se de uma branquitude acrítica inerentemente colonial, favorecendo uma brancura colonial, egocêntrica e intimamente ligada a uma mentalidade ambientalmente destrutiva. Resistir ao poder hegemônico exige a ruptura de forças opressivas, com o propósito de reinventar coletivamente as bases para uma sociedade mais justa, equitativa e sustentável.

A partir dessas fontes, é possível construir lentes outras, dentro e fora da academia, que nos permitam refinar a nossa escuta e nossa força de resistência. Também a partir de epistemologias outras, é possível entender mais amplamente a necessidade de mudar a nossa linguagem acadêmica e questionar o nosso papel nas e para as transformações sociais. Na verdade, no processo de descolonização, por vezes faltam-nos palavras, termos e conceitos que nos permitam, em algum nível, distanciar-nos da colonialidade do poder/conhecimento, tal como propõe Aníbal Quijano (2000, 2013). O português, como outras línguas ocidentais que participaram da expansão europeia nas Américas, manteve tradições expressivas, dentro e fora da esfera acadêmica, que enunciam o peso da lógica moderna/racional/colonial descrita pelo próprio Quijano e outros autores da virada decolonial (Castro-Gomez & Grosfoguel, 2007, Maldonado-Torres, 2006, 2008, Mignolo & Escobar, 2010, Walsh, 2005, entre outros). Atreladas a essas referências, acreditamos poder trazer muitas outras, que possam fomentar a sustentabilidade como movimento e práxis decoloniais.

Diante disso, o objetivo deste Número Especial é reunir artigos que ampliem o debate sobre Linguagem, Descolonialidade e Sustentabilidade, para que possamos contribuir para a expansão de discursos e práticas mais evidentemente envolvidos e implicados com teorias descolonizadoras e com práticas (educacionais) de linguagem em tempos de devastação.

Incentivamos a submissão de artigos que tratem de temas como: Ensino de línguas em uma perspectiva sustentável; produção e transformação do conhecimento indígena; corpo e linguagem no contexto pós-colonial; estratégias discursivas de opressão e resistência; práticas digitais para combater a desinformação; (trans)linguagem e práticas educativas de resistência; linguística aplicada baseada em filosofias ancestrais, indígenas, afro-brasileiras ou outras do Sul Global; linguística aplicada e confrontos contra a destruição planetária, racismo; linguística aplicada em favor da justiça social, dos direitos humanos e da sustentabilidade (social/económica/ambiental/linguística) . Através de um conjunto de artigos unidos pelo enfoque na linguagem, na decolonialidade e na sustentabilidade, esperamos poder contribuir para o desenvolvimento nesses domínios, bem como para a expansão de vozes potentes no/do Norte e do Sul Global.

 

Referências

Barbas-Rhoden, Laura. (2022).  Sustainability and the Pluriverse:  From Environmental Humanities Theory to Content-Based Instruction in Spanish Curricula. In:   Fuente, María J. de la (Ed.). Education for Sustainable Development in Foreign Language Learning (Routledge Research in Language Education). Routledge/Taylor and Francis. Kindle. Edition.

Castro-Gómez, Santiago & Ramón Grosfoguel (eds). El giro decolonial: reflexiones para una diversidade epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, Col.: Universidad Javeriana y Siglo del Hombre Editores.

Chun, Christian W. (2017). The discourses of Capitalism: Everyday economics and the production of common sense. Routledge.

Fuente, María J. de la. (2022). Introduction:  Toward Education for Sustainable  Development (ESD) in Foreign  Languages. In:  Fuente,  María J. de la (Ed.). Education for Sustainable Development in Foreign Language Learning (Routledge Research in Language Education). Routledge/Taylor and Francis. Kindle. Edition.

Krenak, Ailton. (2020). A vida não é útil. Companhia das Letras. Edição do Kindle.

Krenak, Ailton. (2022). Futuro ancestral. Companhia das Letras. Edição do Kindle.

Maldonado-Torres, Nelson. (2007). Sobre la colonialidad del ser: contribuiciones al desarrollo de um concepto. In: Castro-Gómez, Santiago, and Ramón Grosfoguel (eds). El giro decolonial: reflexiones para una diversidade epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá, Col.: Universidad Javeriana y Siglo del Hombre Editores.

Maldonado-Torres, Nelson. (2008). La descolonización y el giro des-colonial, Tabula Rasa, Bogotá - Colombia, No.9: 61-72.  

McEntee-Atalianis, Lisa.J., Tonkin, Humphrey (eds) (2023) Language and Sustainable Development. Language Policy. Cham: Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-031-24918-1_4

Mignolo, Walter. & Escobar, Arturo. (eds.). (2010).  Globalization and the Decolonial Option. London: Routledge.

UNESCO MGIEP (2017). Textbooks for sustainable development. A guide to embedding. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000259932

Quijano, Aníbal. (2000). "Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America." Nepantla: Views from South 1.3, 533-80.

Quijano, Aníbal (2013). Coloniality and modernity/rationality. In: Mignolo, Walter & Escobar, Arturo (Eds.). Globalization and the colonial option. London/New York: Routledge. p. 22-32.

Silva, Simone Batista (2021). Implicated Literacies: Life Begetting Life in Linguistic Education, Rev. Bras. Linguíst. Apl., v. 21, n. 2, p. 605-626. http://dx.doi.org/10.1590/1984-6398202117950

Walsh, C. (2005). Pensamiento crítico y matriz (de)colonial: reflexiones latinoamericanas. Quito, Editorial Universidad Andina Simón Bolívar.

 

Cronograma

Chamada de trabalhos: a partir de 20 de dezembro de 2023.

Submissão de resumos (250 palavras): até 30 de abril de 2024.

Os resumos deverão ser enviados para: tlaesp25@unicamp.br

Aceite do resumo: até 30 de maio de 2024.

Envio de artigos completos dos resumos aceitos: até 30 de junho de 2024.

Aceite de artigos: até 30 de agosto de 2024.

Os artigos estarão acessíveis online (Scielo Preprint) a partir de outubro de 2024.

Lançamento do volume temático: março de 2025.