Resumo
Se o pós-humanismo surge hoje como expressão de formas diversas de questionar a excepcionalidade do humano, e se, por outro lado, a linguagem verbal é considerada uma expressão dessa mesma excepcionalidade do humano, a pós-humanização da linguagem revela uma tensão fundamental: entendida enquanto externalização e automação da linguagem verbal por via de dispositivos computacionais (programados para gerar enunciados linguísticos de forma relativamente autónoma), a pós-humanização da linguagem perturba não apenas a centralidade do humano no quadro da tradição iluminista, mas também a noção de que a linguagem verbal é exclusivamente humana. Este artigo reflecte sobre a linguagem gerada por dispositivos computacionais a partir da perspectiva dos estudos literários, e pretende sugerir caminhos de resposta a algumas das questões centrais que emergem do cruzamento entre cibernética, linguagem e literatura. O que acontece à linguagem quando esta é algoritmicamente processada e gerada? Como podem os processos de representação e produção simbólica ser pensados quando pensamos em agentes linguísticos artificiais? Em que circunstâncias podemos considerar que um texto gerado automaticamente é um poema? Através da análise de uma experiência poética que podemos adjectivar de pós-humana, no sentido em que faz uso de ferramentas e processos de geração automática de linguagem, evidenciaremos algumas das tensões entre os dispositivos computacionais e a escrita autoral, interrogando a possibilidade ou a imposibilidade de o literário se inscrever no campo cibernético da automação e demonstrando os limites da humanização da linguagem maquínica.
Referências
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