Resumo
No âmbito dos materiais didáticos para o ensino crítico e vocacional de línguas, a escrita de materiais que vão ao encontro dos objetivos profissionais no ensino público médio-técnico integrado e comprometido com a agenda da educação crítica para a formação cidadã merece devida atenção. Se, por um lado, o Letramento Crítico consubstancia práticas de engajamento com a mudança social (LUKE; FREEBODY, 1997), a promoção de oportunidades para o desenvolvimento de um olhar crítico a respeito de ideologias, culturas, economias, instituições e sistemas políticos dominantes (TILIO, 2013; 2017), e o exame de nosso locus de enunciação para que sejamos capazes de desaprender nossos lugares de privilégios e aprender com o subalternizado (ANDREOTTI, 2007); por outro lado, os materiais didáticos disponíveis para cursos técnicos de nível médio parecem não levar em consideração tais premissas, especialmente a última. Com o intuito de preencher essa lacuna, escrevi uma unidade didática (Society Matters?) para aprendizes do 3o ano do ensino médio-técnico, em que a autobiografia de Maria Lindalva, uma ativista sem-terra assentada subalternizada, cria oportunidades de discussão acerca dos ideais de trabalho, esforço e sucesso que desafiam a ideologia hegemônica do senso comum. Por meio da bricolagem construtivista (DENZIN; LINCOLN, 2005) envolvendo sua vídeo-autobiografia, a referida unidade didática, as memórias dos meus encontros pedagógicos com os aprendizes de 2015 a 2018, e duas linhas de interpretação que foram levantadas no seu decorrer, examinei em que medida os discursos a respeito da narrativa de Maria Lindalva refletem e refratam ideologias do capitalismo neoliberal, contribuindo com o desenvolvimento da postura crítica e a seleção de textos para materiais didáticos de ensino de línguas. Os resultados demonstraram que as análises que validam as realizações de Maria Lindalva podem ser confrontadas com o ponto de vista de sua relação com a escassez (SANTOS, 2017), o que favoreceu o desenvolvimento da postura crítica dos aprendizes; e, finalmente, que foi possível avançar em sua narrativa para mostrar o que Maria Lindalva nos ensina sobre seleção de textos para unidades didáticas destinadas ao ensino crítico de línguas.
Referências
ANDREOTTI, V. (2007). An ethical engagement with the other: Spivak’s ideas on education. Critical Literacies: Theories and Practices. v.1, no 1, pp. 69-79, July 2007. Available at: http://www.criticalliteracyjournal.org/cljournalissue2volume1.pdf. Access on: 10 Jan. 2016.
BAKHTIN, M.M. (2011 [1979]). Os gêneros do discurso. In: Bakhtin, M.M. Estética da criação verbal. Mikhail Bakhtin. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora WWF Martins Fontes, 6a ed, pp. 261-306.
BLOOMAERT, J. (2005). Ideology. In: Bloomaert, J. Discourse: a critical introduction. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 158-202.
CHUN, C.W. (2017). The discourses of capitalism: everyday economists and the production of common sense. New York: Routledge.
COPE, B.; KALANTZIS, M. (2015). The things you do to know: an introduction to the pedagogy of multiliteracies. In: Cope, B.; Kalantzis, M (org.), A pedagogy of multiliteracies: learning by design. London: Palgrave Macmillan, pp. 1-36.
GRAMSCI, A. (1891-1937). Prision notebooks, trad. Joseph A. Buttigieg and Antonio Callari. New York: Columbia University Press, v. 1, 1992
HALL, S.; O’SHEA, A. (2013). Common-sense neoliberalism. Soundings: a journal of politics and culture, no 55, pp. 8-24. Available at: https://muse.jhu.edu/article/531183/pdf Access on: 21 Sep. 2017.
LOPES, A. C. (2011). Funk-se quem quiser: no batidão negro da cidade carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto: FAPERJ.
LUKE, A.; FREEBODY, P. (1997) Critical literacy and the question of normativity: an introduction. In: Muspratt, S.; Luke, A.; Freebody, P. (org.), Constructing critical literacies: teaching and learning textual practices. New Jersey: Hampton Press Inc., Cresskill, pp. 1-17.
MAIA, J.O. (2017). Fogos digitais: letramentos de sobrevivência no Complexo do Alemão/RJ. Tese de doutorado em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp, Campinas.
MOITA LOPES, L.P. (2006). Linguística Aplicada e vida contemporânea: problematização dos construtos que têm orientado a pesquisa. In: Moita Lopes, L P. (org.), Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola, pp. 13-44.
MULICO, L. V. (2019a). Por onde começar? ideologia e hegemonia como pontos de partida para a escrita de uma unidade didática crítica e transgressiva para o ensino de língua inglesa. Mesa Redonda no 4º Congresso Latino-Americano de Glotopolítica. Universidade de São Paulo. São Paulo.
MULICO, L. V. (2019b). Teacher, em que você acredita? desnaturalizando pensares para potencializar o letramento crítico. Mesa Redonda no II Seminário Internacional da Associação Brasileira de Professores de Língua Inglesa da Rede Federal de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. O papel da língua inglesa na rede federal de educação: compartilhando cenários e maximizando êxitos. Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife. Available at: https://e1167e2e-a020-4a3f-99b7-8900918dc34b.filesusr.com/ugd/fb602a_e32bddeecf8346378d6af686b93103e7.pdf. Access on: 9 Jan. 2020.
PENNYCOOK, A. (2001). Critical applied linguistics: a critical introduction. Mahawah, NJ: Lawrence Erlbaum.
ROJO, R.H.R. (2006). Fazer linguística aplicada em perspectiva sócio-histórica: privação sofrida e leveza de pensamento. In: Moita Lopes, L.P. (org.), Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, pp. 253-276.
SANTOS, M. (2017). Toward an other globalization: from the single thought to universal conscience. Switzerland: Springer.
SPIVAK, G. C. (1988). Can the subaltern speak? In: Nelson, C. e Grossberg, L. (eds.), Marxism and the interpretation of culture. London: Macmillan Education LTD, pp. 271-313.
TILIO, R.C. (2006). O livro didático de inglês em uma abordagem sócio-discursiva: culturas, identidades e pós-modernidade. Tese de doutorado em Letras. Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro.
TILIO, R.C. (2013). Repensando a abordagem comunicativa: multiletramentos em uma abordagem consciente e conscientizadora. In: Rocha, C.H. e Maciel, R.F. (org.), Língua estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. São Paulo: Pontes Editores, pp. 51-67.
TILIO, R.C. (2017) Ensino crítico de língua: afinal, o que é ensinar criticamente? In: Jesus, D.M.; Zolin-Vesz, F.; Carbonieri, D. (org), Perspectivas críticas no ensino de línguas: novos sentidos para a escola. Campinas, SP: Pontes Editores, pp. 19-31.
UNITED NATIONS. (1948). Universal Declaration of Human Rights. Available at: https://www.un.org/en/udhrbook/pdf/udhr_booklet_en_web.pdf. Access on: 17 set. 2019.
VOLOŠÍNOV, V.N. (1926-1930). Il linguaggiocome pratica sociale. Bari: Dedalo libri, 1980.
VOLOŠINOV, V.N. (1930). Marxism and the philosophy of language. New York: Seminar Press, INC, 1973.

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2020 Trabalhos em Linguística Aplicada