Resumo
Este trabalho propõe-se a analisar a obra Hibisco Roxo (2011), de Chimamanda Ngozie Adichie – romance permeado por tensões de raça e de gênero, provocadas pelo imperialismo inglês na Nigéria, sob o prisma dos conflitos políticos e socioculturais ambientados no capitalismo. Partindo do conceito de epistemicídio, proposto por Carneiro (2005), com base em Foucault (1979) e Sousa Santos (1995), verificamos, nas práticas multilíngues, os valores atribuídos às línguas originais, com destaque para o Igbo, e à língua do colonizador na implementação e na vigência dos empreendimentos colonialista e imperialista. Considerando que a escrita de Adichie (2011) permite outra leitura possível dos conflitos vivenciados pela sociedade nigeriana atual, há, no âmbito linguístico, evidências de que a língua inglesa, elemento constitutivo da colonização, representaria, a partir das práticas linguísticas das personagens, uma vinculação ao processo imperialista – subjacente à ação do capitalismo sob o recente término da colonização. Já as práticas linguísticas do Igbo representariam estratégia de resistência, através do resgate às tradições ancestrais, como via de rasurar o epistemicídio, tensionando as estratégias de apagamento da cultura Igbo. Há, assim, um jogo de poder no qual a língua exerce um papel importante na marcação simbólica de processos de dominação/assimilação e/ou oposição/resistência sociocultural, ambos atravessados pela religião.
Referências
ADICHIE, Chimamanda Nzogi. (2011). Hibisco roxo. Tradução Julia Romeu. São Paulo: Companhia das Letras.
ALMEIDA, Silvio. (2018). O que é racismo estrutural? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Editora Letramento.
BAIRROS, Luíza. (1995). Nossos feminismos revisitados. In: RIBEIRO, Matilde (Org.). Revista Estudos Feministas, Dossiê Mulheres Negras, Florianópolis, v. 3, n. 3, p. 458-463.
BARREIROS, Patrício Nunes. (2017). Por uma abordagem da História Cultural das práticas de escrita na edição de textos. ALEA, Rio de Janeiro, vol. 19/2, maio-ago., p. 389-414.
BASSANI, Indaiá de Santana. (2015). Disciplina Fundamentos Linguísticos: bilinguísmo e multilinguísmo. São Paulo: Edusp.
BOAHEN, Albert Adu. (2010).A África diante do desafio colonial. In: BOAHEN, A. Adu (ed.). História Geral da África – A África sob dominação colonial, 1880-1935. 2.ed. rev. Brasília: UNESCO, cap. I, p.1.22.
BORGES, Rosa. (2020). Experiências e descentramentos epistemológicos na prática filológica. In: SOUZA, Risonete Batista de. [et al.]. Filologia em diálogo: descentramentos culturais e epistemológicos. Salvador: Memória & arte, p. 15-47.
CABRAL, Amílcar. (1978). Unidade e Luta I. A Arma da Teoria. Textos coordenados por Mário Pinto de Andrade, Lisboa: Seara Nova.
CAMPOS, Juliana Sant´Ana. (2015). As manipulações das etnicidades como forma de controle, exploração e alienação em Hibisco Roxo de Chimamanda Ngozi Adichie. Revista Crioula USP, n. 16.
CANAGARAJAH, Suresh.; LIYANAGE, Indica. (2012). Lessons from pre-colonial multilingualism. In: MARTIN-JONES, A.; BLACKLEDGE, A.; CREESE, A. (Eds.). The Routledge handbook of multilingualism. London: Routledge, p. 49-65.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. (2005). A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.
CARNEIRO, Aparecida Sueli. (2019). Escritos de uma vida. São Paulo: Pólen Livros.
CHARTIER, Roger. (2015 [2007]). A história ou a leitura do tempo. 2ª edição. Belo Horizonte: Autêntica.
COLLINS, Patrícia Hill. (2000). Black Feminist Thought: Knowledge, Conciousness and the Politics of Empowerment. Nova York: Routledge.
DAVIS, Ângela. (2016 [1981]). Mulheres, Raça e Classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo.
DU BOIS, William E. B. (2007 [1903]). The souls of black folk. Oxford: Oxford University Press.
ERNEST-SAMUEL, Gloria Chimenziem. (2019). Língua e Literatura Igbo no Discurso em Sala de Aula: um experimento pedagógico. Revista Brasileira de Estudos da Presença, v. 9, n. 1, p. 1-22.
FANON, Frantz. (2008). Peles negras, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA.
FOUCAULT, Michel. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal.
GALLIE, Walter B. (2016). Narrativa e Compreensão histórica. In: MALERBA, Jurandir (org.). História e narrativa: a ciência e a arte da escrita histórica. Petrópolis: Vozes.
GEERTZ, Clifford. (2001 [1989]). Nova Luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
GODOY, Elenilton Vieira; SANTOS, Vinício de Macedo. (2014). Um olhar sobre a cultura. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 30, n. 3, p.15-41.
GONÇALVES, Ana. Maria. (2006). Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record.
GONZALEZ, Lélia. (1983). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, p. 223-244.
GONZALEZ, Lélia. (1988). A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 92-93, p. 69-82.
GROSJEAN, François. (1982). Life with two languages: an introduction to bilingualism. Cambridge: Harvard University Press.
GUMPERZ, John. (1988). Convenções de contextualização. In: GUMPERZ, John. Sociolinguística interacional: antropologia, linguística e sociologia em análise do discurso. Porto Alegre: Editora AGE, p. 98-119.
GINZBURG, Carlo. (2006). O extermínio dos judeus e o princípio da realidade. Enredo e verdade na escrita da história. In: MALERBA, Jurandir (org.). A História Escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo, Contexto, p. 211-230.
HALL, Stuart. (1992). A identidade em questão. In: HALL, S. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora, p. 7-13.
HALL, Stuart. (2003). Da diáspora: identidade e mediações culturais. In: SOVIK, Liv (Org.). Tradução de Adelaine Resende [et al.]. Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil.
HOOKS, bell. (2000). Feminist is for Everybody: Passionate Politics. Pluto Express.
HOOKS, bell. (2008). Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. In: Estudos Feministas, v.16, n. 3.
HOOKS, bell. (2019). Olhares negros: raça e representação. Tradução de Stephanie Borges. São Paulo: Editora Elefante.
LE GOFF, Jacques. (2003 [1988]). História e memória. Tradução Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira Borges. 5. ed. Campinas: Editora da UNICAMP.
LEMOS, Amélia Francisco Felipi da C. (2018). Língua e cultura em contexto multilingue: um olhar sobre o sistema educativo em Moçambique. Educar em Revista, Curitiba, v. 34, n. 69, p. 17-32.
MCKENZIE, Donald Francis. (2018 [1986]). Bibliografia e a Sociologia dos textos. Tradução: Fernanda Veríssimo. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo.
MBEMBE, Achille. (2003). África Insubmissa: cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial. Editora Edições Padago: Odivelas; Edições Mulemba: Luanda.
MBEMBE, Achille. (2014). A crítica da razão negra. Lisboa: Antígona.
MBEMBE, Achille. (2015). Decolonizing Knowledge and the Question of the Archive. Ms. Disponível em <https://wiser.wits.ac.za/system/files/Achille%20Mbembe%20-%20Decolonizing%20Knowledge%20and%20the%20Question%20of%20the%20Archive.pdf> Acesso em 21 de outubro.
MBEMBE, Achille. (2018). Necropolítica. São Paulo: N-1 edições.
MOITA LOPES, Luiz Paulo. (Org.). (2006). Por uma Linguística Aplicada INdisciplinar. Parábola: São Paulo.
MOITA LOPES, Luiz Paulo. (2009). Da aplicação da Linguística à Linguística Aplicada. In: PEREIRA, Regina Celi; ROCA, Pilar. Linguística Aplicada: um caminho com diferentes acessos. São Paulo: Contextos.
MUFWENE, Salikoko S. (2016). Ecologia da língua: algumas perspectivas evolutivas. Ecolinguística: Revista Brasileira de Ecologia e Linguagem, v. 02, n. 01, p. 21-38.
MÜLLER, Fernanda de Oliveira. (2016). Traços de etnicidade na tradução de Purple Hibiscus. Bela Infiéis, v. 5, n. 2, p. 09-18.
MUNIZ, Kassandra da Silva. (2009). Linguagem e identificação: uma contribuição para o debate sobre ações afirmativas para negros no Brasil. Tese (Doutorado em Linguística), Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade do Estado de Campinas, Campinas.
ODINYE; Israel; ODINYE, Ify. (2010). Preventing the Extinction of Igbo Language. OGIRISI: a New Journal of African Studies: Editorial Policies, Nigeria, v. 7, p. 85-93.
OLORUNTIMEHIN, B. Olantunji. A política e o nacionalismo africanos, 1919-1935. (2010). In: BOAHEN, A. Adu (ed.). História Geral da África – A África sob dominação colonial, 1880-1935. 2.ed. rev. Brasília: UNESCO, cap.VII, p.657-674.
RIBEIRO, Djamila. (2017). O que é lugar de fala? Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Editora Letramento.
SOUSA SANTOS, Boaventura. (1995). Pela Mão de Alice. São Paulo: Cortez Editora.
SOUZA, Neusa Santos. (1983). Tornar-se negro: vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Edições Graal.
UBIOWORO, Eyo; ONOYOVWI, Doe. (2008). Towards re-tooling oral literature for the teaching of Nigerian Languages. Journal of Nigerian Languages and Culture, Nigeria, v. 10, n. 2, p. 135-146.
TEOTONIO, Rafaella Cristina Alves. (2013). Por uma modernidade própria: o transcultural nas obras Hibisco Roxo, de Chimamanda Ngozi Adichie e o Sétimo juramento, de Paula Chiziane. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba.
VISSENTINI, Paulo Fagundes. (2011). Livro na rua: Nigéria. Theasaurus Editora: Brasília.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2021 Trabalhos em Linguística Aplicada