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“Favela não se cala”
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Palavras-chave

Complexo do Alemão
Materialidade
Mercantilização da linguagem
Necropolítica

Como Citar

NASCIMENTO E SILVA, Daniel. “Favela não se cala”: mercantilização, materialidade e ideologia da linguagem na cooperação transperiférica. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 60, n. 2, p. 439–454, 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664755. Acesso em: 19 abr. 2024.

Resumo

Com base em pesquisa de campo no Complexo do Alemão, um conjunto de favelas no Rio de Janeiro, este artigo discute o surgimento de recursos comunicativos que respondem à mercantilização de direitos, bens comuns e serviços, como o direito à cidade, à moradia e à segurança pública. Em interação transperiférica – isto é, em um evento que envolveu movimentos sociais de periferia da África do Sul e de diferentes favelas do Rio de Janeiro – os ativistas que observei, embora não tematizem linguagem como objeto independente, revelaram alta reflexividade sobre mercantilização de recursos comunicativos no capitalismo, particularmente atrelada ao silenciamento de negros, pobres e outras minorias. Linguagem e materialidade (do corpo e da luta contra a mercantilização de direitos) aparecem como elementos híbridos no discurso dos ativistas – ou seja, fazem parte de um todo material, nos termos de Bruno Latour, sendo estratégica e situacionalmente objetificados ou “purificados” em momentos-chave do debate. O conjunto de evidências que apresento nessa análise apontam limites para a divisão que críticos da noção de mercantilização e materialidade da linguagem (dentre eles, David Block, Marnie Holborow, William Simpson e John O’Regan) estabelecem entre discurso e realidade, ou entre epistemologia e ontologia. Para esses autores, a linguagem só pode ser metafórica, mas não literalmente, considerada uma mercadoria (material) no capitalismo, o que é contradito pelos meus dados. O artigo aponta, finalmente, que a separação entre discurso e realidade na crítica marxista dos autores é o produto de uma ideologia semiótica modernista e calvinista, não problematizada pelos autores.

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