Banner Portal
“Essa mesma arma contra eles”
PDF

Palavras-chave

Discurso e poder
Liderança indígena
Ideologias linguísticas
Letramentos de reexistência
Mbya-Guarani

Como Citar

GUEROLA, Carlos Maroto; LUCENA, Maria Inêz Probst. “Essa mesma arma contra eles”: capitalismo, poder, linguagem e educação indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, SP, v. 60, n. 2, p. 425–438, 2021. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8664760. Acesso em: 26 abr. 2024.

Resumo

No âmbito de processos de estratificação e categorização, organização e legitimação da desigualdade no capitalismo, constitutivos da sociedade atual, descrevemos e discutimos, neste artigo, o modo como lideranças indígenas subvertem recursos textuais ao darem resposta às exigências de elaboração de documentos escolares que instituições governamentais fazem às escolas de suas comunidades. Os dados aqui apresentados foram gerados, através de uma abordagem etnográfica, em uma ação de extensão de um programa federal de formação continuada de professores indígenas, a Ação Saberes Indígenas na Escola, desenvolvida no estado de Santa Catarina, em terras indígenas guarani, kaingang e laklãnõ-xokleng. O dado sobre o qual nos debruçamos é um texto de Kerexu Yxapyry, liderança mbya-guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (Palhoça/SC). A análise e a discussão que tecemos com base nele são pautadas em estudos atentos às realidades linguístico-discursivas do campo situado e às ideologias que são articuladas para controle e regulamentação de recursos textuais nas práticas sociais. Os resultados da discussão apontam para uma obediência subversiva das lideranças ao se apropriarem de recursos textuais em práticas de letramento, criando, recriando e decidindo em prol de dominar sua realidade e fazer cultura. Gêneros textuais, como um projeto político-pedagógico (PPP), acabam se constituindo, no campo da educação escolar indígena, como se verifica no nosso contexto aplicado, em frentes de batalha ligadas ao letramento e às regras e exigências complexas e pesadas que polícias discursivas buscam impor para conjurar os poderes e perigos dos discursos indígenas em relação à educação escolar que desejam. Nessa frente, defendemos que a subversão de elementos textuais pode ser interpretada como fazendo parte de práticas de letramentos de reexistência, aqueles em que sujeitos agentes contestam moldes e espaços socialmente legitimados em relação aos usos da linguagem, situando-se na fronteira entre a obediência e a subversão textual nas periferias do capitalismo.

PDF

Referências

ANTUNES, A. K. T. (2008). Palavras de xeramõi. Holambra/SP: Cuca Fresca.

ANTUNES, E. (2015). Nhandereko nhanhembo'e emborcar ea py: Sistema nacional de educação - um paradoxo do currículo diferenciado das escolas indígenas guarani da Grande Florianópolis. Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, UFSC, Florianópolis.

BAKHTIN, M. (1929). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2006.

BAKHTIN, M. (1979). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BAKHTIN, M. (1988). Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec.

BRASIL. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 abr. 2021.

BRIGHENTI, C. A. (2012a). Povos indígenas em Santa Catarina. In: NÖTZOLD, A. L. V.; ROSA, H. A., et al. (Org.). Etnohistória, história indígena e educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti. p. 37-65.

BRIGHENTI, C. A. (2012b). Terras Indígenas em Santa Catarina. In: NÖTZOLD, A. L. V.; ROSA, H. A., et al. (Org.). Etnohistória, história indígena e educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti. p. 255-277.

BRIGHENTI, C. A.; NÖTZOLD, A. L. V. (2010). Educação guarani e educação escolar: Desafios da experiência mbya e nhandeva. Cadernos do LEME, v. 2, n. 2, p. 22-40.

BRITO, T. H. B., MUNIZ, K., & SOUZA, A. L. S. (2018). Letramentos de reexistência: produção de cartazes digitais como forma de afirmação da intelectualidade jovem e negra. Revista da ABPN, 10(especial), p. 601-628.

CLASTRES, P. (1980). Arqueologia da violência: pesquisas de antropologia política. [s.l.]: Cosac & Naify, 2004.

DARELLA, M. D. P. (2004). Ore roipota yvy porã “Nós queremos terra boa”: Territorialização guarani no litoral de Santa Catarina – Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

DE FINA, A.; PERRINO, S. (2013). Transnational identities. Applied Linguistics, v. 34, no. 5, p. 509–515.

FOUCAULT, M. (1970) A ordem do discurso. [s.l.]: Sabotagem, 2004.

FOUCAULT, M. (1979). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.

FOUCAULT, M. (1976). O sujeito e o poder. In: RABINOW, P. e DREYFUS, H. (Ed.). Michel Foucault: Uma trajetória filosófica - para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Universitária, 1995. p. 231-252.

FREIRE, P. (1967). Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

GEE, J. P. (1994). Social Linguistics and Literacies: Ideology in Discourses. Londres: Taylor & Francis.

GALLOIS, D. T. (2000). Sociedades indígenas em novo perfil: alguns desafios. Travessia - Revista do Imigrante, n. 36, p. 5-10.

GUEROLA, C. M. (2017). “Se nós não fosse guerreiro nós não existia mais aqui”: ensino-aprendizagem de línguas para fortalecimento da luta Guarani, Kaingang e Laklãnõ-Xokleng. Tese (Doutorado em Linguística) – Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

HELLER, M. (2011). Paths to post-nationalism: A critical ethnography of language and identity. Oxford: Oxford University Press.

HELLER, M.; MCELHINNY, B. (2017). Language, capitalism, colonialism: toward a critical history. Toronto: University of Toronto Press.

KROSKRITY, P. (2010). Language Ideologies - Evolving Perspective. In: JURGEN, J. (Ed.) Language Use and Society (Handbook of Pragmatics Highlights). Amsterdam: John Benjamins, p. 192-211.

LOPES, A. C. et al. (2018). Letramentos de sobrevivência: costurando vozes e histórias. Revista da ABPN, 10(especial), p. 678-703.

MAGALHÃES, E. D. (org.). (2005). Legislação Indigenista Brasileira e normas correlatas. Brasília: FUNAI/CGDOC.

NASCIMENTO, A. M. (2018). Counter-Hegemonic Linguistic Ideologies and Practices in Brazilian Indigenous Rap. In: ROSS, Andrew S.; RIVERS, Damian J. (Eds). The Sociolinguistics of Hip-hop as Critical Conscience: Dissatisfaction and Dissent. London: Palgrave Macmillan. p. 213-235.

NOTZOLD, A. L. V.; ROSA, H. A., et al. (Orgs.). (2012). Etnohistória, história indígena e educação: contribuições ao debate. Porto Alegre: Pallotti.

OLIVEIRA, D. P; NASCIMENTO, A. M. (2017). Translinguajamento: pensando entre línguas a partir de práticas e metadiscursos de docentes indígenas em formação superior. A cor das letras, v. 18, p. 254-266.

PERSCH, M. I. L., PACHECO, S. M., & MONTEIRO, M. R. (Orgs.). (2006). Uma escola para todos, uma escola para cada um. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Educação.

PONSO, L. C. (2018). Letramento acadêmico indígena e quilombola: uma política linguística afirmativa voltada à interculturalidade crítica. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 57, n. 3, p. 1512–1533.

RANCIÈRE, J. (1995). O Desentendimento. São Paulo: Editora 34.

SANTOS, S. C. D. (1975). Educação e sociedades tribais. Porto Alegre: Movimento.

SIGNORINI, I. (2001). Construindo com a escrita “outras cenas de fala”. In: SIGNORINI, I. (Org.). Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas: Mercado de Letras. p. 97-134.

SIGNORINI, I. (2006). Questão da língua legítima na sociedade democrática: um desafio para a Linguística Aplicada contemporânea. In: MOITA LOPES, L. P. (Org.). Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola. p. 169-189.

SIGNORINI, I. (2008). Metapragmáticas da língua em uso: unidades e níveis de análise. In: SIGNORINI, I. (Org.). Situar a lingua[gem]. São Paulo: Parábola Editorial. p. 117-148.

SITO, L. (2011). Apropriando-se do uso de atas: práticas de letramento em contexto quilombola. Identidade!, v. 16, p. 146-163.

SITO, L. KLEIMAN, A. (2017). 'Eso no es lo mío': un análisis de conflictos en la apropiación de prácticas de literacidad académica. Universitas Humanistica, v. 83, p. 153-179.

SOUSA SANTOS, B. (2010). Descolonizar el saber, reinventar el poder. Montevideu: Trilce.

SOUZA, A. L. S. (2009). Letramentos de reexistência: culturas e identidades no movimento hip hop. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas/SP.

SOUZA, L. M. T. M. (2009). Relatório sobre Educação Indígena Diferenciada, Intercultural e Bilíngue no Brasil. In: LÓPEZ, L. E. e HANEMANN, U. (Orgs.). Alfabetización y multiculturalidad: Miradas desde América Latina. Guatemala: UIL-UNESCO, PACE-GTZ. p. 99-128.

STREET, B. (2003). What’s “new” in New Literacy Studies? Critical approaches to literacy in theory and practice. Current Issues in Comparative Education, 5(2), p. 1-14.

STREET, B. (1984). Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press.

Creative Commons License
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.

Copyright (c) 2021 Trabalhos em Linguística Aplicada

Downloads

Não há dados estatísticos.