Resumo
A crise mundial da COVID-19 modificou a condução das atividades educacionais com a emergência de diversos espaços de ensino-aprendizagem organizados em ambientes virtuais. É nesse cenário que este estudo se insere, ao investigar, comparativamente, nas modalidades de ensino remoto e presencial, uma prática recorrente no contexto pedagógico: a referenciação de objetos – como uma tabela em um livro, um documento, ou um objeto não digital. Analisamos como docentes e aprendizes realizam interacionalmente essa prática, descrevendo os recursos multimodais por eles/as empregados e refletindo sobre as potencialidades e os desafios envolvidos nas duas modalidades de ensino. Para investigar as minúcias dessa prática no “aqui-e-agora” interacional do ambiente escolar, empregamos os pressupostos teórico-metodológicos da Análise da Conversa Multimodal (SACKS, 1992; MONDADA, 2014), a partir de gravações em áudio e vídeo de aulas remotas e presenciais. Os resultados evidenciam que, embora vários dos recursos empregados pelas professoras na referenciação sejam comuns a ambas as modalidades de ensino, em função das contingências impostas por cada modalidade, eles são empregados por diferentes meios. Há, contudo, diferenças cruciais e com repercussões importantes. Por exemplo, a modalidade de copresença física caracteriza-se por um contexto em que os/as aprendizes e seus respectivos objetos estão visualmente acessíveis ao/à professor/a, possibilitando seu monitoramento e, consequentemente, assegurando a completude do processo de referenciação, o que (ainda) não é possível na modalidade remota. Ademais, na modalidade remota, os/as aprendizes também precisam lidar com contingências específicas da não copresença física ao iniciarem a referenciação a algum objeto, especialmente quando é preciso sincronizar as ações para mobilizar a atenção conjunta. Assim, mostramos como essas e outras contingências implicam em esforços interacionais (frequentemente herculanos) dos/as participantes para tornar possível o processo de ensino e aprendizagem.
Referências
BALAMAN, U.; PEKAREK DOEHLER, S. (2022). Navigating the complex social ecology of screen-based activity in video-mediated interaction. Pragmatics, v. 32, n. 1, p. 54-79. DOI: https://doi.org/10.1075/prag.20023.bal .
COLINA, V. (2021). Citizen Experience Design for Digital Transformation. Inter American Development Bank. Dispoível em: https://publications.iadb.org/publications/english/document/Citizen-Experience-Design-for-Digital-Transformation.pdf . Acesso em: 28 jul. 2022.
DE STEFANI, E. (2014). Establishing joint orientation towards commercial objects in a self-service store: how practices of categorisation matter. In: Nevile, M.; Haddington, P.; Heinemann, T.; Rauniomaa, M. (eds.), Interacting with objects: language, materiality, and social activity. Amsterdam: John Benjamins, p. 271-294. DOI: https://doi.org/10.1075/z.186.12ste .
GUICHON, N.; WIGHAM, C. R. (2016). A semiotic perspective on webconferencing supported language teaching. ReCALL, n. 28, v. 1, n. 28, p. 62-82.
IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2021). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2021. Rio de Janeiro: IBGE 2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101892.pdf . Acesso em: 28 jul. 2022.
JAKONEN, T.; DOOLY, M.; BALAMAN, U. (2022). Interactional practices in technology-rich L2 environments in and beyond the physical borders of the classroom. Classroom Discourse, v. 13, n. 2, p. 111-118. DOI: https://doi.org/10.1080/19463014.2022.2063547 .
JEFFERSON, G. (2004). Glossary of transcript symbols with an introduction. In: Lerner, G. H. (ed.), Conversation analysis: Studies from the first generation. Amsterdam: John Benjemins, p. 13-31.
KIDWELL, M.; ZIMMERMAN, D. H. (2007). Joint attention as action. Journal of Pragmatics, v. 39, p. 592-611. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2006.07.012 .
KONRAD, P. G.; OSTERMANN, A. C. (2020). “Tu sabe? Te lembra?”: o resguardo de informações em interrogatórios policiais por meio da (com)posição de perguntas e respostas. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 20, n. 1, p. 73-95. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-4017-200105-1119 .
MONDADA, L. (2014). The local constitution of multimodal resources for social interaction. Journal of Pragmatics, v. 65, p. 137-156. DOI: https://doi.org/10.1016/j.pragma.2014.04.004.
MONDADA, L. (2018). Multiple Temporalities of Language and Body in Interaction: Challenges for Transcribing Multimodality. Research on Language and Social Interaction, v. 1, n. 51, p. 85-106. DOI: https://doi.org/10.1080/08351813.2018.1413878.
MONDADA, L. (2019) Practices for showing, looking, and videorecording: the interactional establishment of a common focus of attention. In: Reber, E.; Gerhardt, C. (eds.), Embodied Activities in Face-to-Face and Mediated Settings: Social Encounters in Time and Space. Palgrave MacMillan, p. 63-106. DOI: 10.1007/978-3-319-97325-8_3.
MONDADA, L. (2019). Conventions for multimodal transcription. Disponível em: <https://www.lorenzamondada.net/multimodal-transcription>. Acesso em: 4 ago. 2022.
MONDADA, L. (2021) How early can embodied responses be? Issues in time and sequentiality. Discourse Processes, v. 58, n. 4, p. 397-418. DOI: https://doi.org/10.1080/0163853X.2020.1871561.
OHLWEILER, M. K. (2022). Pandemia COVID-19 e análise da conversa multimodal: porque o lar vira trabalho, mas o trabalho não vira um lar. Dissertação de Mestrado em Linguística Aplicada. Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Unisinos, São Leopoldo.
OLBERTZ-SIITONEN, M.; PIIRAINEN-MARSH, A. (2021). Coordinating action in technology-supported shared tasks: Virtual pointing as a situated practice for mobilizing a response. Language & Communication, n. 79, p. 1-21. DOI: https://doi.org/10.1016/J.LANGCOM.2021.03.005 .
OSTERMANN, A. C.; FREZZA, M.; PEROBELLI, R. (2020). Literacy without borders: the fine-grained minutiae of social interaction that do matter (also in promoting health literacy). Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 1, n. 59, p. 330-352. DOI: https://doi.org/10.1590/010318135866215912020.
SACKS, H. (1992). Lectures on Conversation. Oxford, UK: Blackwell.
SATAR, H. M. (2016) Meaning-making in online language learner interactions via desktop videoconferencing. ReCALL, v. 3, n. 28, p. 305-325. DOI: https://doi.org/10.1017/S0958344016000100.
SATAR, M.; WIGHAM, C. R. (2020). Delivering task instruction in multimodal synchronous online language teaching. ALSIC, v. 23, n. 1. DOI:10.4000/alsic.4571. Disponível em: <http://journals.openedition.org/alsic/4571>. Acesso em: 19 ago. 2022.
SCHEGLOFF, E. A. (2007). Sequence organization in interaction: A primer in conversation analysis. Cambridge: Cambridge University Press.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2023 Trabalhos em Linguística Aplicada