Resumo
Neste artigo desenvolvo, em um primeiro momento, a consciência de que, como homem branco, minha materialidade participa de um sistema socioeconômico e político que, a despeito dos meus méritos pessoais, dele sou beneficiário, ao contrário da imensa maioria de homens e mulheres negras que se encontram à margem dos seus direitos. As questões que me proponho responder são: de que forma, mesmo sendo homem e branco, traduzir a poesia de mulheres negras pode produzir afetos que transbordam a oposição homem branco vs mulher negra? Buscarei discutir que, a despeito das limitações que se podem atribuir a mim, haveria, ali, nessa experiência tradutória, a possibilidade de uma relação de interexistência, tal como discutida pelo monge budista Thich Nhat Hanh (1991), a qual remonta, historicamente, ao conceito shunyata, que, no budismo, significa “vazio de existência inerente” (CARLUCCI, 2022). Todos os seres, segundo a filosofia budista mahayana, são, antes, interconectados em um nível mais profundo da (inter)existência, de forma que entre o Eu e Outro, a despeito de todas as diferenças, mantêm, entre si, formas de conexão existencial em que tanto um quanto o outro se afetam mutuamente. Aqui, jogo, propositalmente com os sentidos de “afeto” e “afetar” para refletir a respeito do amor, tal como nos convida a ativista afro-americana, antirracista, professora e artista bell hooks (2000), cujos escritos sobre o amor reverberam as questões que pretendo discutir.
Referências
WEBER, S. (2020). On being and belonging. In CURTIS, R. C. (Ed.) Belonging Through a Psychoanalytic Lens. New York: Routledge.
AMORIM, L. M. (2016). O drama e a alegria da tradução: Gwendolyn Brooks versando a vida em três poemas. Cadernos De Literatura Em Tradução, (16), 131-146. https://www.revistas.usp.br/clt/article/view/115282
BESNER, R. (2020). Where does a discussion of Buddhism belong in psychoanalysis? In CURTIS, R. C. (Ed.) Belonging Through a Psychoanalytic Lens. New York: Routledge.
BRUM, A. (1992). A Libertação do Sofrimento no Budismo Tibetano Gelugpa. Brasília: Teosófica.
CARLUCCI, B. (2022). Uma meditação sobre o continuum tradutório: tradução indireta, comparada e comentada de passagens do Bodhicaryavatara de Shantideva. Doctoral dissertation, Unicamp. Disponível em: https://www.iel.unicamp.br/node/995/Lingu%C3%ADstica%20Aplicada/2022
COLLINS, P. H. (1990). Black Feminist Thought: Knowledge, Counsciouness, Politics of Empowerment. Cambridge: Cambridge University Press.
DERRIDA, J. (1981). Positions. Translated and annotated by Alan Bass. University of Chicago Press.
HANH, T. N. (1991). Peace is every step: the path of mindfulness in everyday life. New York: Bantam books.
HOOKS, B. (2000). Everything about love: new visions. New York: William Morrow.
MOREIRA, M.; DIAS, T. (2017). “O que é o lugar de fala e como ele é aplicado no debate público”. Nexo Jornal, 16 jan. 2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/01/15/O-que-%C3%A9-%E2%80%98lugar-de-fala%E2%80%99-e-como-ele-%C3%A9-aplicado-no-debate-p%C3%BAblico . Acesso em: 14 janeiro 2022.
MULLEN, H. (2014). Cores desinventadas: a poesia afro-americana de Harryette Mullen. Tradução, introdução e notas de Lauro Maia Amorim. São Paulo: Dobra Editorial.
RIBEIRO, D. (2019). Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen.
SPIVAK, G. C. (1988). “Can the Subaltern Speak?" in NELSON, C; GROSSBERG, C. (Eds.) Marxism and the Interpretation of Culture. Basingstoke: Macmillan. 271–313.
STERN, D. N. (2004). The present moment in psychotherapy and everyday life. New York: W. W. Norton.SUNYATA. (2023). In: Encyclopedia Britannica. https://www.britannica.com/topic/sunyata.
WEBER, S. (2020). On being and belonging. In CURTIS, R. C. (Ed.) Belonging Through a Psychoanalytic Lens. New York: Routledge.
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Copyright (c) 2023 Lauro Maia Amorim