Resumo
A relevância de práticas de formação para a leitura desde a infância e a intenção de concebê-las enquanto círculo virtuoso muitas vezes esbarra na intencionalidade das concepções educativas adultas, que transforma a vivência em um círculo tedioso para as crianças. As fenomenologias da voz, a partir de Paul Zumthor, e da imagem, com Gaston Bachelard, evidenciam o valor poético da vocalidade e da imaginação para a leitura, que se fundamenta na organicidade da ação poética da voz e da palavra adultas, através das quais, sem negar os valores de proferição e de explicação e não se restringindo a eles, sublinha a estreita ligação entre corpo, linguagem e mundo nos processos de formação, também a leitora. Assim, a escuta da leitura compartilhada se transforma não só em potência para engendrar desejo de ler e de escrever, mas em oportunidade para que as crianças encontrem, através da voz e do comprometimento adulto, a experiência do humano que temos produzido e exteriorizado em registros orais e escritos, inclusive os literários. A ideia de cultura percebida como um conteúdo – e condicionada aos limites da aprendizagem de conceitos –, restringe a contribuição que podemos dar às crianças para a constituição de outras maneiras de compreenderem o conhecimento, o que inclui, principalmente, saberes sobre os modos como compartilham suas experiências leitoras.
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